O estudo sobre a fosfoetanolamina, propagada erroneamente no Brasil como “pílula de cura do câncer”, foi suspenso na semana passada pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) diante dos resultados iniciais, que não indicaram o benefício clínico esperado aos pacientes. “O que é preciso deixar claro, neste momento, é que esse produto não tem uma eficácia que justifique o seu uso em substituição aos tratamentos que já tenham sua ação reconhecida. As pessoas não devem parar seus tratamentos para substituir pela fosfoetanolamina sintética”, disse o Dr. Paulo Hoff, diretor geral do Icesp, ao site da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
Dos 72 pacientes tratados no estudo, compreendendo 10 grupos de tumores (cabeça e pescoço, pulmão, mama, intestino, colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado), 59 já foram reavaliados. Somente um deles, do grupo de melanoma, apresentou resposta.
Na segunda fase da pesquisa clínica, o plano era incluir 20 participantes em cada um dos grupos. O objetivo primário seria a observação de pelo menos dois pacientes em cada grupo com resposta objetiva, ou seja, diminuição do tumor. De acordo com o Icesp, como os resultados ficaram aquém do esperado, a inclusão de novos pacientes está suspensa e o protocolo será reavaliado antes de qualquer continuidade. Conforme informação da assessoria de imprensa, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo era o único centro a desenvolver a pesquisa.
A polêmica e a importância da pesquisa
A pesquisa teve início em julho de 2016, a pedido do governo do Estado de São Paulo, após grande polêmica em torno da fosfoetanolamina. A substância vinha sendo sintetizada e distribuída a pacientes com neoplasias malignas há anos pelo químico Gilberto Orivaldo Chierice, ligado ao Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo. Duas patentes da substância registradas por ele datam de 2008. A substância vem sendo utilizada pela população há mais de 20 anos, fora de protocolos de pesquisa, sem qualquer controle sobre seus efeitos.
Segundo nota do órgão da USP, o professor Chierice, já aposentado, estudava a fosfoetanolamina de forma independente e doava a droga a pacientes “em ato oriundo de decisão pessoal”. Em 2014, o Instituto editou a Portaria IQSC 1389 proibindo a fabricação, em suas dependências, de medicamentos sem as devidas licenças e registros expedidos por órgãos competentes. Desde então, pessoas com câncer que faziam uso da substância e familiares passaram a protestar nas redes sociais e na mídia contra a interrupção do fornecimento da fosfoetanolamina, além de acionar o Estado para obtê-la. Há mais de 20 mil ações na Justiça exigindo que a fosfoetanolamina seja liberada.
A comoção levou o Congresso Nacional a aprovar a Lei 13.269/2016, sancionada pela ex-presidente Dilma em abril do ano passado, autorizando o uso da substância fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Logo em seguida, a Associação Médica Brasileira (AMB), com apoio da SBOC, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade para suspender a lei. Em maio, o Supremo Tribunal Federal deferiu a ação da AMB e proibiu a produção da fosfoetanolamina por falta de evidências científicas que comprovem os resultados prometidos.
As expectativas voltaram-se, então, para a pesquisa clínica iniciada pelo Icesp dois meses depois e suspensa uma semana atrás. “A substância continua sendo um tratamento puramente experimental até agora, sem nenhuma evidência forte que dê suporte ao seu uso rotineiro como tratamento do câncer”, afirmou o Dr. Paulo Hoff, depois da decisão de suspender o estudo.