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Correio Braziliense - Brasil
Médicos preparam ação contra governo
Entidades ligadas à medicina vão acionar o Judiciário para questionar o programa que prevê a "importação" de profissionais e a obrigatoriedade de estudantes trabalharem no SUS
JULIA CHAIB, ÉTORE MEDEIROS, KARLA CORREIA
Uma das principais bandeiras dos protestos que ocuparam as ruas do país em junho, a cobrança por melhorias na saúde pública levaram o governo federal a anunciar medidas que acabaram se voltando contra o próprio Planalto. A presidente Dilma Rousseff lançou o programa Mais Médicos na segunda-feira, e entidades, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e a Associação Médica Brasileira (AMB), mobilizam-se nas frentes jurídicas e políticas contra a iniciativa. Além de acionar a Justiça, a categoria conclui, hoje, relatório com as emendas a serem propostas à medida provisória que cria o programa.
Entre os pontos que serão questionados, estão a ampliação de seis para oito anos na formação de médicos; e a proposta de “importar” profissionais estrangeiros para atuar nas periferias de grandes centros urbanos e em cidades do interior; além da obrigatoriedade de os estudantes de medicina trabalharem por dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS).
A despeito das críticas, o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, voltou a defender, ontem, o Mais Médicos. Segundo Padilha, a intenção do programa é levar os profissionais para perto da população. “Eu coordenei um núcleo da Universidade de São Paulo (USP) no interior do Pará, com ribeirinhos e índios, e sei que um médico ao lado do paciente faz a diferença em qualquer situação. Ele salva vidas, orienta, alivia o sofrimento e ajuda a organizar o serviço de saúde”, enumerou. O ministro disse ainda, em resposta às críticas de falta de estrutura de unidades de saúde, que a presença do médico serve como estímulo melhorias nos centros. Mesmo assim, os órgãos que representam a categoria médica alegam que a chegada de profissionais estrangeiros pode culm inar em má assistência à população e que aumentar a formação de seis para oito anos é uma ação “extremamente impositiva”.
Conselheiros de todo país se reuniram ontem, no Conselho Federal de Medicina, em Brasília, para debater os temas polêmicos. Os deputados Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e Paulo Foletto (PSB-ES) participaram do encontro e devem propor as emendas sugeridas.
Ato médico
Outra polêmica que está longe do fim é a Lei do Ato Médico. A proposta restringe a profissionais formados em medicina a prática de “ações invasivas”, como a aplicação de injeções, e a formulação de diagnóstico e prescrição de tratamento. A legislação opõe médicos a profissionais de diversas categorias, como enfermeiros e psicólogos. Entidades contrárias ao projeto afirmam, por exemplo, que técnicos ficariam impedidos de dar injeções subcutâneas.
Para o presidente do Conselho Federal de Biomedicina, Silvio José Cecchi, a questão não é o profissional de saúde se subordinar a um médico, mas estar impedido de exercer determinadas atividades para as quais foi preparado. “O médico pode chefiar a equipe, o que não pode é cercear outras profissões.” Representantes dos médicos, entretanto, afirmam que a proposta é interpretada de maneira equivocada. “É um projeto revolucionário, que vai ao encontro do argumento de ter médicos, já que em alguns municípios, temos outros profissionais fazendo nosso trabalho”, disse o presidente da Fenam, Geraldo Ferreira. Até o fechamento desta edição, o governo formatava o documento para anunciar se haveria vetos ou seria mantido o texto original.
Tutores
Portaria publicada ontem no Diário Oficial da União define as regras para a seleção de instituições de ensino que vão supervisionar os profissionais do Mais Médicos. As universidades indicarão quatro tutores — um titular e três reservas. O professor que excercer a função receberá R$ 5 mil. O cadastramento de interessados será feito até segunda-feira.
Correio Braziliense – Opinião
Um país de mais ou menos médicos
WANDERLEY M. D. FERNANDES - Cirurgião, docente de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
O movimento pela reforma sanitária no Brasil surgiu na década de 1960, da indignação da sociedade pelo dramático quadro das iniquidades do setor saúde, e pautou suas reivindicações pelas carências e irresponsabilidades na assistência médica de um governo indiferente e despreparado da pretensa república sindicalista de João Goulart. A luta se travou na perspectiva de um verdadeiro movimento sanitário, que se consolidou a partir dos anos 1970, mesmo no período das ditaduras dos generais Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, tendo como pano de fundo a dinâmica dos acontecimentos políticos, sociais e econômicos que vinham ocorrendo no país e no mundo.
Semelhante momento de reações vivemos hoje. O povo nas ruas protesta por melhorias nas condições da saúde pública. Os governantes do Partido dos Trabalhadores, sem interpretações mais sensíveis da alma social, de afogadilho, respondem com o pacote autoritário Mais médicos. Durante seus 10 anos de governo, nunca se preocuparam efetivamente em motivar, remunerar e garantir condições mínimas de trabalho para o exercício profissional da medicina nas cidades, nas periferias e no interior do país.
O movimento social pela saúde pública verdadeiramente universalista se consolidou em 1986, no governo José Sarney, durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde, da qual saiu a proposta que resultou no Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal de 1988. Nesses 25 anos, só se agravou a deterioração das condições do atendimento à saúde do povo brasileiro; não por falta de profissionais e sim pelas precaríssimas condições de trabalho, quase nulo investimento institucional e baixíssima remuneração dos médicos.
É irrisório o salário de servidor público na maioria das cidades brasileiras. A Tabela de Remuneração por Procedimentos do SUS não é atualizada desde outubro de 2007, quando reajuste ainda insuficiente permitiu aos médicos do interior receberem salários entre R$ 2 mil e R$ 2.400 mensais, para jornada de 20 horas de trabalho semanais. E ainda têm uma vida de angústias, cercada de improvisos, submetidos a condições insalubres de atendimento, sobrecarga de pacientes, doentes amontoados pelo chão das emergências, cirurgias necessárias sem possibilidades há muitos anos, falta de medicamentos para o tratamento de enfermidades das mais simples e assinantes contumazes de atestados de óbito de dezenas de mortes por penúria socioassistencial.
O desconhecimento exala do pacote Mais médicos também quanto às prescrições do programa de ensino-aprendizagem por dois anos para recém-formados. Esse período de atividades pressupõe o exercício dos conhecimentos adquiridos nos ciclos teórico e prático da graduação, sempre sob supervisão de docentes assistenciais capacitados, em que orientador e orientado compartilham valores do modelo assistencial respectivo aos protocolos das evidências científicas fundamentais, nos cenários condizentes.
A transferência da interação tutor-aprendiz a terceiros alheios, médicos não compromissados com o cientifismo epistemológico do aprendizado que precedeu, conduz a formação do médico pós-graduando a uma colcha de retalhos operacional. E o formado deverá ter extrema dificuldade em desenvolver as habilidades necessárias para assumir uma postura profissional, vocacionado para a lida com o sofrimento humano, nem sequer nos recôncavos longínquos do interior, quanto mais para se sentir capacitado a eventual vaga de médico no Hospital Sírio-Libanês e a atender às privilegiadas autoridades do governo. Criou-se um outro SUS, o dos pobres, e um novo tipo de médico, o do imaginário. Parece que estamos, com Slavoj Zizek, Vivendo no fim dos tempos.
A saúde pública no Brasil, em diversas ocasiões, esteve atrelada a interesses eleitoreiros, em detrimento do direito constitucional do cidadão e à revelia da opinião dos profissionais de saúde, sem a mínima culpabilidade histórica. Richard Sennett, professor de sociologia da London School of Economics, em 2002 no seu O declínio do homem público, declara que %u201Co ente público não é apenas uma criação humana, é a condição humana%u201D. Talvez essa tenha sido a premissa para o Mais médicos, na sua ambiciosa reforma de Estado na saúde após a Constituição de 1988: a nova formação do médico brasileiro, a autoritária. Fere de morte o artigo 5º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, que reza: Ninguém ser&aa cute; ob rigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.