A distribuição dos oncologistas clínicos no Brasil é preocupante. Três quartos desses profissionais estão no Sudeste, enquanto as outras regiões brasileiras concentram 55% da população do país. A criação de programas de residência médica poderia ser um instrumento para equilibrar essa equação, mas não tem sido assim, conforme mostra estudo publicado este ano na Brazilian Journal of Oncology. Embora o total de vagas no país tenha passado de 75 em 2006 para 253 em 2014 – um aumento de 237% em oito anos – elas continuam concentradas no eixo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A região Sudeste responde por 68,7% dos programas de treinamento em oncologia clínica. O Sul fica com 16,2%, enquanto o Nordeste (6%), o Norte (3,1%) e o Centro-Oeste (2,3%) têm as menores partes.
O Ministério da Educação, ao qual pertence a Comissão Nacional de Residência Médica, admite não ter nenhuma ingerência sobre a abertura de novas vagas em locais estratégicos. “A quantidade de programas de residência médica em todas as especialidades depende de pedido das instituições ofertantes das vagas. Não cabe ao MEC a decisão em aumentar um tipo de residência médica”, afirma a assessoria da pasta.
O Centro-Oeste é a região mais desabastecida de oncologistas clínicos, conforme o estudo. A proporção de novos casos de câncer por médico oncologista será de 576 em 2020, crescimento de 68,7% desde 2014. Lá havia apenas três vagas de residência em oncologia clínica em 2006 e agora são seis.
No restante do país, a proporção média será de 346. Não existe um consenso sobre o número ideal de pacientes com câncer para cada oncologista. Estudo publicado há três anos sobre o cenário da oncologia na Europa também em 2020 revela uma proporção bem menor que a brasileira em países como Áustria (77), Hungria (79), Suécia (108), Itália (114), Alemanha (146) e Portugal (175). Mas França e Reino Unido têm médias até maiores: 416 e 569, respectivamente.
Por outro lado, nos Estados Unidos, a falta de oncologistas é considerada um problema concreto. Dez anos atrás, um trabalho com base em dados da American Society of Clinical Oncology (ASCO) já projetava escassez de 3,8 mil oncologistas em 2020. A pesquisa considerou fatores como idade e tipo de vínculo com o sistema de saúde, que podem influenciar na produtividade do oncologista, assim como projeções de aposentadoria e menor carga de trabalho priorizada pelos especialistas mais jovens. Esses dados não foram avaliados nos estudos brasileiros e europeus.
Regionalização
O que os números absolutos muitas vezes não mostram são as desigualdades dentro das regiões e dos Estados. Segundo o Dr. João Soares Nunes, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), a maioria das capitais está bem servida de oncologistas, mas há carência nas cidades médias e pequenas. Fixar médicos em locais afastados dos grandes centros é um problema comum a todas as especialidades. Acontece o mesmo com a criação de programas de residência. “A residência em oncologia necessita de estrutura de alta complexidade e de tecnologia que, muitas vezes, o interior não consegue suprir”, diz.
De acordo com o oncologista, a solução passaria por uma política nacional de atenção à oncologia focada na regionalização. “É preciso criar centros de referência em raios de 200 a 300 km. As doenças raras e os casos mais complexos continuariam sendo atendidos nos centros maiores, mas conseguiríamos dar acesso ao tratamento a muitos pacientes”, afirma o Dr. Nunes. “Também é importante diminuir a necessidade de viagens e deslocamentos para expor menos os pacientes, principalmente com a cronificação da doença”, alerta.