Rodrigo Dienstmann tornou-se um pesquisador com formação transversal guiado pela inovação em oncologia
Ainda um jovem oncologista de 39 anos, o Dr. Rodrigo Dienstmann acumula experiência como pesquisador no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Atualmente, é o investigador principal do grupo Oncology Data Science (ODysSey), do Vall d’Hebron Institute of Oncology, em Barcelona, na Espanha. Trata-se de uma área criada por ele e sua equipe há apenas três anos. O enfoque é integrar a identificação de marcadores moleculares ao desenvolvimento de fármacos para uma medicina de precisão e individualizada no combate ao câncer. Mas o homem que saiu de Estrela (RS) aos 16 para estudar medicina em Porto Alegre não quer trabalhar com biomarcadores em câncer para sempre. A ideia de superespecialização parece sufocá-lo.
Antes de conhecer seus planos de continuidade da carreira, saiba que ele começou como a grande maioria dos oncologistas clínicos brasileiros: na área assistencial. Durante a graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em um estágio opcional, descobriu o desafiador mundo da oncologia e decidiu chamá-lo de seu. Fez, então, residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas de Porto Alegre e em Oncologia Clínica no Instituto Nacional de Câncer. “Foi muito legal fazer o Inca pelo volume de pacientes atendidos e pelas oportunidades de pesquisa.” No primeiro ano, fez um estágio no Sylvester Comprehensive Cancer Center, em Miami. No terceiro, foi um dos selecionados pelo International Development and Education Award (IDEA), programa da American Society of Clinical Oncology (ASCO) que lhe proporcionou um mentorship em Memphis. Ganhou também uma bolsa para um workshop de Métodos de Pesquisa Clínica em Câncer, na Suíça, e um Susan G Komen grant para uma visita com foco em pesquisa no Institute Jules Bordet, na Bélgica.
O mapa-múndi começava a ficar mais e mais nítido. Concluída a residência, continuou como médico pesquisador do Inca por quase três anos, orientado principalmente pelos doutores Carlos Gil e José Bines. Ao mesmo tempo, trabalhou como assistente deste último em clínica privada e mantinha seu consultório nas Clínicas Oncológicas Integradas, no Rio de Janeiro. Tinha ainda outro emprego: oncologista concursado do Hospital Federal dos Servidores do Estado. Ali vivenciou a realidade nua e crua do atendimento 100% público. Confessa não ter saudades. “O que sempre me atraiu para a pesquisa é a possibilidade de oferecer aos pacientes acesso aos tratamentos mais modernos e eficazes.”
E esse foi o caminho que escolheu. Gil e Bines o apresentaram ao Dr. Jose Bacelga, do Vall d’Hebron Institute of Oncology, que o convidou para atuar como pesquisador em estudos de fase 1 de uma unidade nova daquele centro de referência em Barcelona. Havia um grant do banco La Caixa disponível por dois anos. Ele foi. Aprovado em um exame de validação da European Society for Medical Oncology (ESMO), já começou a ver os pacientes inseridos em protocolos de pesquisa desde o primeiro dia, sob supervisão. “Esse processo é muito mais rápido na Europa do que nos Estados Unidos”, conta. “Mas, para trabalhar em um consultório, por exemplo, eu precisaria de uma validação mais específica de acordo com as exigências do país.” Até hoje, não foi o caso.
Escolhas
“Foi difícil deixar tudo no Brasil.” O pesquisador conta que o valor da bolsa, mesmo com extras como palestrante e revisor, é apertado para cobrir as despesas. À exceção do aluguel, o custo de vida não é alto. Não é preciso pagar plano de saúde, ter carro e a alimentação é barata. A remuneração é insuficiente, porém, para sustentar uma família, por exemplo.
Rodrigo Dienstmann mergulhou ainda mais no mundo da pesquisa clínica, continuou na instituição passados os dois primeiros anos até decidir buscar algo novo nos EUA. Não encontrou logo de cara. Ficou um ano em Harvard, no Massachusetts General Hospital Cancer Center, com nova bolsa do La Caixa. Adquiriu uma visão mais completa de um ambiente onde a colaboração público-privada em oncologia funciona. “Tem muita coisa acontecendo em Boston.” No entanto, o dia a dia tinha também “muita bancada, pipeta”. Foi, então, que se deu conta de que realmente buscava aprender mais sobre pesquisa em oncologia computacional, análise de dados, para somar ao seu conhecimento clínico. Conseguiu, ao transferir a bolsa para Sage Bionetworks, uma organização sem fins lucrativos em Seatle, onde ficou por quase dois anos.
Destacou-se em uma nova linha de pesquisa para o tratamento de pacientes com câncer colorretal. A ideia era analisar simultaneamente diversas mutações presentes no tumor, sua expressão gênica e ativação de vias de sinalização para entender porque os pacientes têm evolução clínica e respostas tão diferentes aos tratamentos. “Integrando múltiplas fontes de informação, inclusive das células imunes e estromais, identificamos quatro subtipos moleculares consenso de câncer colorretal.” O trabalho teve grande impacto na literatura e serviu como trampolim para outros projetos de pesquisa. “Eu estava no lugar certo, na hora certa.”
A distância da prática clínica em si apertou e o oncologista brasileiro retornou ao Vall d’Hebron, com o objetivo de formar o ODysSey, em 2015, com um grant da Fundación Fero. Era hora de aplicar e multiplicar o que havia aprendido na América, como gostam de chamar os estadunidenses. Mas (sempre tem um), apesar de assumir que saiu da assistência clínica para ficar atrás do computador de forma consciente, sente que precisa inovar, mais uma vez. “Daqui a pouco, minha equipe atual já vai trabalhar sozinha.”
Dienstmann afirma que, ao optar por fazer coisas novas e diferentes, abriu mão de ser um grande especialista em uma área específica, e agora tem uma necessidade constante de ficar mudando. “Meu mundo muda muito rápido; está em constante evolução.” Ele define sua formação como transversal, o que fez dele um generalista, isto é, sabe um pouco de tudo. Considera que o ambiente europeu favoreceu que fosse assim. “Nos EUA, o desenvolvimento da carreira é muito mais vertical”, compara novamente.
Sua experiência na Europa também o aproximou muito da ESMO. “A Sociedade é toda-poderosa”, define. As oportunidades oferecidas pelos membros vão desde fellowships até convites para aulas em cursos e congressos e para revisão de artigos e abstracts. Dienstmann recomenda. “Se cuidas da ESMO, ela cuida de ti”, diz, sem abondonar o linguajar gaúcho. E, assim, sua rotina inclui uma viagem internacional a cada duas semanas, em média.
No ano passado, foi um dos 15 selecionados da ESMO para o Leaders Generation Programme, imersão com a proposta de desenvolver habilidades de comunicação e liderança. Atuou também como membro do ESMO Press and Media Affairs Committe no Congresso anual da Sociedade, em Madri.
Começou um MBA executivo em 2018. Seu próximo passo será gestão empresarial dentro da Oncologia. E voltar ao Brasil para ser consultor é uma chance real. “Penso no legado, nas oportunidades que o país oferece na esfera público-privada. Aqui, por mais que tenha tido boas condições até agora, sou mais um. No Brasil e na América Latina, posso fazer a diferença.” Não descarta antes passar um novo período nos Estados Unidos preparando-se para o empreendedorismo.
E o mundo vai girando. O de Dienstmann e o de todos os oncologistas clínicos. “Em cinco anos, a maneira de tomar decisões mudará radicalmente: não apenas com medicamentos dirigidos a alvos moleculares, mas também com novos biomarcadores para quimioterapia convencional e imunoterapia. Os dados clínicos e moleculares evolutivos deverão ser integrados para, assim, otimizar os resultados.” E finaliza: “Big data e inovação chegarão ao consultório. Dessa vez, nas mãos dos próprios pacientes... Estamos preparados para essa mudança de paradigma?” Dienstmann quer estar ao lado dos oncologistas, ajudando nesse processo de revolução tecnológica digital na medicina de precisão.