A cerimônia de abertura da II Semana Brasileira da Oncologia, do XXI Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, do XIV Congresso Brasileiro de Cirurgia Oncológica e do XXI Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia, realizada em 23 de outubro, no Rio de Janeiro, teve início com o discurso dos presidentes das Sociedades das três especialidades, que reforçaram a importância da abordagem multidisciplinar no tratamento do câncer.
Os presidentes também levantaram questões importantes sobre o diagnóstico e tratamento de câncer no Brasil. O Dr. Sergio, Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), em exercício até 26 de outubro, citou problemas de acesso, como os de pacientes com melanoma metastático que não recebem tratamento imunoterápico, como recomenda a cesta básica de oncologia da Organização Mundial da Saúde, sendo que com esse tipo de tratamento têm 52% de chance de estarem vivos em cinco anos, contra 0% de chance com o tratamento atualmente utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS). Também falou sobre os atrasos no diagnóstico e as frequentes filas, longas e demoradas, para o tratamento. “Temos várias frentes de ação para trabalhar em conjunto com o governo e melhorar nossos índices de controle do câncer. Espero que este Congresso seja um marco onde se discutam todos esses problemas, e que todos saiam daqui com novas ideias para podermos vencer a batalha contra o câncer de maneira definitiva”.
O Dr. Claudio de Almeida Quadros, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, apresentou algumas estimativas, mostrando que a doença é a segunda causa de morte específica dos brasileiros e que a mortalidade por câncer no Brasil terá um aumento de 90% até 2040. “A II Semana da Oncologia é um marco no modelo de promoção da multidisciplinaridade. Juntos, oncologistas clínicos, cirurgiões oncológicos e radioterapeutas discutem os avanços e as necessidades da oncologia, bem como a prática clínica integrada no dia a dia das três especialidades, e tudo isso em benefícios do paciente”.
O Dr. Arthur Accioly Rosa, presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia, falou sobre o cenário brasileiro para quem depende do tratamento radioterápico. “Hoje temos 363 aceleradores lineares no país para tratar uma população de quase 210 milhões de pessoas, metade da quantidade necessária. Além disso, 40% dessas máquinas estão obsoletas, ou seja, estão fora de cobertura do fabricante”. E finalizou: “Que a gente consiga discutir e buscar soluções para todas essas questões, e enfrentar o câncer de forma multidisciplinar como ele precisa ser enfrentado”.
A II Semana Brasileira da Oncologia aconteceu entre os dias 23 e 26 de outubro, e teve atividades inovadoras, de forma paralela aos já tradicionais congressos das três entidades. Foram mais de 200 profissionais de excelência, tanto do Brasil quanto do exterior, para compor uma programação que teve o objetivo prioritário de abordar temas que impactam a prática diária da oncologia.
Fechando as lacunas do tratamento do câncer na América Latina
Um dos destaques da cerimônia de abertura II Semana Brasileira da Oncologia foi a apresentação de um estudo intitulado “Otimizando o tratamento de câncer na América Latina”, realizado pelo The Economist Intelligence Unit (EIU) em oito importantes países da região. Foi a primeira vez que essa pesquisa foi apresentada no Brasil.
De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), a América Latina pode vivenciar um aumento de mais de 90% em novos casos de câncer até 2035, devido a fatores como o envelhecimento e o crescimento da população. “Já que os recursos são finitos, e especialmente limitados na América Latina, a pesquisa avaliou os processos de tomada de decisão desses países a fim de otimizar os tratamentos oncológicos, para possibilitar a ampliação do número de pacientes atendidos, com os recursos disponíveis”, afirmou Marcio Zanetti, diretor do EIU no Brasil e responsável pela apresentação do estudo na abertura do Congresso.
O trabalho mostrou que a América Latina tem espaço significativo para aprimorar o tratamento do câncer. Devido ao acesso insuficiente a prevenção, triagem e tratamentos essenciais, como imunoterapia e radioterapia de precisão, o número de mortes é praticamente o dobro dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Além disso, os gastos da América do Sul com atendimento ao câncer são 0,125% da renda nacional bruta per capita em comparação com 0,51%, 0,6% e 1,02% para Reino Unido, Japão e EUA. O estudo também mostrou que países com sistemas sólidos, que alavancam os melhores dados, evidências e diretrizes, abaixam a mortalidade por câncer; e apresentou a visão geral dos facilitadores e agravantes para a tomada de decisão baseada em evidências para atendimento ao câncer na América Latina, considerando as frentes de dados robustos, avaliação efetiva e integração com atendimento. E por fim, foram apresentadas reformas consideradas essenciais para os sistemas de saúde, como investimento em dados e protocolos clínicos; adoção de compras de medicamentos em grupo para redução dos custos; participação de especialistas e pesquisadores nas tomadas de decisões de políticas públicas; colaboração de ONGs para estimular campanhas de combate ao fumo e suportar monitoramento de programas, entre outras.
O estudo, que iniciou os debates do evento, visa ampliar a discussão sobre a assistência ao câncer, para encontrar soluções de prevenção e busca pelo diagnóstico precoce da doença. Segundo Zanetti, essa é a maneira mais saudável e financeiramente sustentável de melhorar o cuidado com os pacientes oncológicos na região.
A jornada do paciente com câncer no Brasil
O estudo inédito “Câncer no Brasil – A jornada do paciente no sistema de saúde e seus impactos sociais e financeiros” foi lançado na abertura da II Semana Brasileira da Oncologia. O trabalho, que contou com a avaliação técnica da SBOC, mostrou desafios e ações com melhor desfecho para tornar o panorama brasileiro do câncer menos desgastante ao paciente e à saúde pública do país. O estudo foi idealizado pela Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e realizado pela IQVIA. Nele, foram avaliadas as jornadas dos pacientes de câncer no país, usando como exemplo os quatro tipos mais incidentes de neoplasias malignas no Brasil (com exceção do câncer de pele não melanoma): câncer de próstata, de mama, de pulmão e colorretal. A jornada foi dividida em etapas (rastreamento, diagnóstico e estadiamento, tratamento e monitoramento) e, em cada uma delas, foram explorados os principais desafios que o paciente com câncer encontra, bem como as diferenças existentes entre o SUS e o sistema privado.
Os dados apresentados reforçam a crescente importância do impacto do câncer para o sistema de saúde do Brasil, tanto em aspectos epidemiológicos, como econômicos e sociais. O custo total estimado da doença é de cerca de R$ 68,2 bilhões, com os gastos diretos (medicamentos, cirurgias e hospitalizações) e indiretos (morte prematura, absenteísmo, auxílio-doença etc). Essa soma já chegou a representar 1% do PIB brasileiro, em 2017.
“É de extrema importância abordar os impactos das barreiras e ineficiências na jornada do paciente com câncer, uma vez que essas geram custos adicionais que estão relacionados aos desfechos de saúde obtidos com o serviço assistencial oferecido ao paciente. O cenário real da jornada do paciente de câncer no Brasil, desde a etapa de rastreamento até o tratamento de fato, evidencia a existência de diversos desafios que ainda precisam ser superados. As inquietações existem tanto na saúde suplementar como no SUS, embora com destaque maior para a rede pública”, afirmou Sydney Clark, vice-presidente de Tecnologia e Serviços da IQVIA, que apresentou o estudo na abertura do evento.
O trabalho também trouxe uma análise da carga da doença no Brasil. A carga de uma doença pode ser mensurada por meio do conceito de anos de vida ajustados por incapacidade (tradução livre para Disabilityadjusted life years, ou DALYs), proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1991. Esse indicador integra conceitos de mortalidade e morbidade, sendo que 1 DALY representa um ano de vida perdido por incapacidade e é derivado da soma de outros dois indicadores: anos de vida limitados por incapacidade (Years Lost due to Disability, YLD) e anos de vida perdidos por mortes prematuras (Years of Life Lost, YLL). Dessa forma, o DALY expressa a carga total que a perda de saúde impõe à sociedade. Nessa análise, direcionada para a carga do câncer em 2017, o Brasil apresentou os piores indicadores quando comparado aos seus principais pares da América Latina. Além disso, o paciente com câncer no Brasil perde quase o dobro de anos de “vida saudável” (2,4 vezes) se comparado aos países do EU5 (Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido) e, praticamente, o triplo de anos de vida quando comparado a um paciente com câncer nos Estados Unidos.
Apesar de abordar o tema de forma mais abrangente, o estudo entendeu também as particularidades existentes em cada microssistema de cuidado – seja um hospital, região de saúde, esfera governamental, instituição privada etc. – e reforçou a importância de uma avaliação particular de gargalos específicos e priorização das frentes de atuação buscando aprimorar a jornada e experiência do paciente. A partir disso, entende-se a importância da discussão acerca de propostas e melhorias na atenção oncológica no Brasil.
“Acreditamos que os dados apresentados nesse estudo podem contribuir para subsidiar formadores de políticas públicas e lideranças privadas no que tange à melhoria da gestão da saúde, nas esferas pública e privada, com foco no melhor interesse do paciente e no uso mais eficiente de recursos”, concluiu Clarck.
O estudo completo está disponível no site da Interfarma. Para acessar, clique aqui.