No último dia de programação científica do Congresso, as mulheres ganharam destaque. Uma sessão conjunta entre Sociedade Brasileiro de Oncologia Clínica (SBOC) e American Society of Clinical Oncologya (ASCO) discutiu temas como sub-representação em cargos de liderança e barreiras diárias baseadas em normas de gênero.
“Idealizamos essa joint session por ser um tema que está dentro de nossas casas, em um momento difícil de transição na política, em que o tema das mulheres foi mais forte ainda. Somos vetores desse momento de transformação, cabe a nós mudar nossos ambientes de trabalho”, introduziu a ex-presidente da SBOC, Dra. Clarissa Mathias, que foi co-chair da sessão ao lado de Dra. Lynn Schuchter, presidente eleita da ASCO.
A palestrante internacional ressaltou que parte do problema das mulheres no mercado de trabalho e no mercado oncológico se deve em parte pelo número reduzido de oportunidades em cargos de liderança.
Outros agravantes para um cenário já difícil foram apresentados. Dados da McKinsey indicam que após a pandemia estamos em meio a um great breakup – um momento em que muitas mulheres estão deixando suas posições de liderança motivadas por mudanças de paradigma como o trabalho remoto e novos desafios.
Em relação ao cenário acadêmico, com dados dos Estados Unidos, Dra. Lynn mostrou que apesar de as mulheres serem maioria nesses espaços, a diversidade nas posições de reitoria não acompanha essa distribuição. “A proporção é de oito homens e duas mulheres a cada dez reitores”, enfatizou.
Dra. Lynn lembrou ainda a importância do apoio externo para a efetivação de políticas de gênero dentro das instituições e o surgimento de oportunidades para mulheres. “As mulheres são over-mentored [que pressupõe um suporte privado] e under-sponsored [que significa um apoio público partindo de pessoas em cargos de liderança]”, diagnosticou.
Esse aspecto da carreira da mulher na oncologia também foi o ponto de discussão de uma palestra conduzida em parceria pela Dra. Angélica Nogueira Rodrigues, diretora da SBOC, e Dra. Clarissa.
“Mentorar alguém é oferecer uma orientação estruturada para dar suporte e coragem para a pessoa maximizar seu potencial, performance e chegar a ser quem ela quer. Quando falamos em mentorar uma mulher, há diferenças?”, questionou Dra. Angélica.
Em sua avaliação, sim, há especificidades a serem levadas em conta nesses processos. A maior parte delas estão ligadas ao glass ceiling – ou teto de vidro. A expressão define barreiras invisíveis ou artificiais que impedem que as mulheres avancem e passem de um certo nível de liderança dentro das instituições.
Na sua avaliação, quebrar este glass ceiling é necessário para que outras mulheres possam percorrer o caminho que outra inaugurou. Como o caso de Dra. Clarissa, que após duas gestões como diretora da SBOC, assumiu a presidência da entidade entre 2019 e 2021.
“A gente quebrou essa barreira e outras mulheres estão vindo no futuro, como a presidente eleita da SBOC Dra. Anelisa Kruschewsky Coutinho e outras com certeza virão. Nesses dois anos que estive lá, estivemos em um lugar ainda melhor e o Dr. Carlos Gil [também presidente eleito da entidade] irá perpetuar isso também”, disse a ex-presidente.
Outra convidada da sessão foi Flavia Maria Bittencourt, atual CEO da Adidas Brasil e vice-presidente para a América Latina. Mãe de quatro filhos, a convidada contou sua trajetória como um incentivo para que mais mulheres enfrentem os desafios diários aos quais são submetidas sem que deixem de lado suas carreiras.
Ela também trouxe dados relevantes para a discussão. Na América Latina, apesar de as mulheres acumularem mais anos de estudos do que os homens, elas ocupam apenas 14% das posições de conselho. “Sessenta e três por cento das companhias na Bolsa têm mulheres no conselho, mas na maioria das vezes apenas uma, no máximo duas”, relatou.
Outro relatório da McKinsey foi destacado pela executiva: quando uma companhia tem mais mulheres, há 30% de chance que o seu desempenho financeiro melhore; é identificado maior estímulo criativo e conexão com clientes e stakeholders; e cresce em 14% a probabilidade de superar a performance da empresa em relação a seus competidores.