A inédita pesquisa Liderança Feminina na Oncologia, realizada pelo Instituto Datafolha com associados da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, foi apresentada durante sessão especial do ESMO Summit Latin America 2024, nesta sexta-feira, 22 de março.
Com a participação de 381 médicos oncologistas e outros profissionais da saúde de todas as regiões do país, sendo 55% do sexo feminino, a pesquisa mostra que uma em cada duas mulheres tem a percepção de ter tido menos oportunidades profissionais ao longo da vida devido ao seu gênero, enquanto que, entre os homens, essa proporção foi de um para cada dez entrevistados.
De acordo com a pesquisa, embora as mulheres sejam maioria nos seus locais de trabalho, elas ficam atrás dos homens em relação aos cargos mais elevados. As chefias de departamentos e equipes, por exemplo, são ocupadas, respectivamente, por homens em 68% e 62% dos casos aplicáveis, enquanto que nas mulheres por 34% e 38%. Trinta e oito por cento dos homens entrevistados disseram exercer cargo de gerência ou liderança, contra 19% das mulheres.
Em relação à remuneração, 40% das mulheres afirmam que seu gênero teve alguma influência na definição de seus salários, enquanto que nos homens essa percepção foi de 5%.
Entre os entrevistados que têm filhos, 63% disseram dividir com seu parceiro ou parceira a responsabilidade pelo cuidado das crianças, mas 32% das mulheres informaram ser as principais responsáveis. Já entre os homens esse índice foi de 12%.
Quando questionados sobre os principais desafios encontrados para progredir na carreira, 13% das mulheres citaram pressão social e preconceito cultural de gênero com relação a responsabilidades familiares e domésticas; e 12% mencionaram a licença maternidade e dificuldades no regresso ao trabalho. Nenhum homem sinalizou esses fatores.
Sessenta e um por cento das mulheres já disseram ter sofrido assedio no local de trabalho, como comentários sexuais desagradáveis, atenção indesejada e investidas impróprias, sendo que 90% delas não denunciaram, pois acharam que nada seria feito, ficaram com medo de represália ou por não ter achado importante o suficiente.
A percepção dos participantes da pesquisa sobre avanços na redução das disparidades de gênero é mais positiva entre os homens do que entre as mulheres: 37% deles acreditam que houve grandes ou significativos progressos na área, contra 16% das mulheres. Entre elas, 45% afirmam que houve pouco ou nenhum avanço, enquanto que nos homens esse índice foi 21%.
Ciente dessa situação, a SBOC tem atuado de diferentes formas em prol da equidade de gênero na oncologia. Com mais de 3 mil associados, sendo aproximadamente 50% deles mulheres, a entidade lançou em 2019 o Prêmio SBOC de Protagonismo Feminino, cujo objetivo é homenagear mulheres que se destacam na profissão; e, em 2021, criou seu Comitê de Lideranças Femininas, que tem apoiado a diretoria da Sociedade em diversas ações na área.
Nos últimos anos, a SBOC tem equilibrado a quantidade de palestrantes homens e mulheres nos seus eventos, assim como na composição da Diretoria e dos seus Comitês.
“Quando pensamos em uma oncologia clínica mais equânime, precisamos reconhecer que há disparidades entre gêneros para propor ações. Nesse sentido, a pesquisa Liderança Feminina na Oncologia nos traz dados fundamentais para serem trabalhados em curto, médio e longo prazo”, avaliou a Presidente da SBOC, Dra. Anelisa Coutinho.
Coordenadora do Comitê de Lideranças Femininas e Presidente Eleita da entidade (Gestão 2025), Dra. Angélica Nogueira relata não ter ficado surpresa com os dados da pesquisa. “Em muitas situações que são meritórias, como entrar na Residência, nas provas de Mestrado ou Doutorado, a presença de mulheres é similar ou até maior do que os homens, mas em cargos que dependem de indicações e influência, a quantidade de mulheres ainda é menor”, ressaltou.
A pesquisa Liderança Feminina na Oncologia foi desenvolvida a partir de um questionário da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO), aplicado internacionalmente. Pesquisa semelhante já foi aplicada em países como Peru e México e os dados foram apresentados por Dra. Paola Montenegro, presidente da Sociedade Peruana de Oncologia Médica (SPOM).
“Segundo a OMS, as mulheres são mais de 70% da força de trabalho em saúde na América Latina, mas ocupam menos de 30% dos cargos de liderança. Na pesquisa, vimos que esse padrão se repete na América Latina, assim como no Brasil”, disse a oncologista peruana.
Ela também chamou atenção para um estudo do Boston Consulting Group que mostrou que a presença de mulheres em diferentes áreas das instituições traz ganho. Empresas com mais diversidade de gênero têm 34% a mais de lucro em setores de inovação, sendo o quarto fator mais importante na estrutura de uma companhia.
“Precisamos de equidade em todos os níveis da carreira em oncologia. Isso impactará no cuidado com os pacientes, nos desfechos, na produtividade, nos riscos de discriminação e assédio e em estruturação de equipes mais satisfeitas e sustentáveis. Nós, mulheres em posições de liderança, também temos responsabilidades para apoiar as mais jovens”, completou Dra. Paola.
Durante o debate ocorrido após a apresentação dos dados, a diretora da SBOC, Dra. Daniela Rosa, lembrou da importância de essa discussão ser levada também para os homens, agradecendo aos que participaram da sessão. “Mulheres tem que se apoiar, mas falar apenas entre elas não vai mudar tudo. Os homens precisam entender a necessidade de mudança, afinal, como vimos na pesquisa, eles são a maioria dos chefes.”
A pesquisa conduzida pela SBOC se enquadra em um projeto maior com apoio das indústrias farmacêuticas Daiichi Sankyo e MSD. Ao longo deste ano acontecerá uma série de debates para discutir o tema e, em novembro, durante o XXV Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica será lançado um material inédito sobre o assunto.