As tecnologias de análise molecular de nova geração têm trazido grandes avanços no entendimento das bases moleculares do câncer, possibilitando o desenvolvimento de terapias-alvo e tratamentos “personalizados”, ou seja, direcionados pela alteração molecular reconhecida. Assim, a realização de testes no tecido tumoral para identificação de alterações que possam orientar o tratamento vem sendo rapidamente incorporada à prática clínica.
Essas avaliações esbarram, entretanto, em alguns obstáculos, como a dificuldade de acesso ao tumor, que geralmente requer procedimentos mais invasivos, e mudanças no perfil molecular do tumor, que podem ocorrer ao longo da evolução da doença e do próprio tratamento. Para vencer essas limitações, buscou-se desenvolver maneiras de identificar moléculas derivadas do tumor (biomarcadores tumorais) no sangue circulante (periférico).
A habilidade de detectar e analisar DNA no sangue periférico permitiu reconhecer o perfil molecular do tumor pelo isolamento de seu DNA circulante. Esse procedimento, que ficou conhecido como biópsia líquida, já está disponível em alguns laboratórios brasileiros e faz parte de protocolos de pesquisas em instituições de saúde no país.
Destaque no congresso da ASCO deste ano, o exame teve sua precisão comprovada em uma análise genômica com amostras de sangue de mais de 15 mil pacientes e 50 tipos diferentes de tumores. O estudo mostrou que há similaridade entre os padrões de alterações genéticas detectados em amostras de sangue e os padrões identificados na biópsia tradicional dos mesmos pacientes. A correlação foi observada para casos avançados da doença (estadios III e IV).
“A biópsia líquida já é uma realidade e, neste momento, tem sido importante na detecção de mutações do gene EGFR, que ocorre em vários casos de carcinoma de pulmão de não pequenas células. Acredito que sua introdução na rotina de acompanhamento de outros tipos de tumor é uma questão de tempo”, explica o oncologista Carlos Gil Moreira Ferreira, vice-presidente para Pesquisa Clínica e Estudos Cooperativos da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
O exame é realizado a partir da coleta de uma amostra de cerca de 15 ml de sangue, que deve ser rapidamente centrifugado para a separação do plasma. A análise permite detectar moléculas de DNA tumoral circulante com especificidade próxima de 100% e sensibilidade superior a 90% nos casos de doença avançada. “A biópsia líquida baseada na detecção de DNA tumoral circulante mostrou maior aplicabilidade na clínica por ser mais sensível e mais específica”, explica a Dra. Anamaria Aranha Camargo, do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa (IEP).
No IEP, 60 pacientes têm sido monitorados por meio de biópsia líquida. Eles fazem parte de três protocolos de pesquisa: um em câncer de pulmão, outro em câncer de cólon e um terceiro, em tumores de mama. Todos os pacientes são tratados com terapias-alvo. No instituto, segundo a Dra. Anamaria, a metodologia utilizada para o seguimento dos paciente e detecção do DNA tumoral circulante é a PCR digital. Há ainda o sequenciamento de última geração, técnica que foi adotada pelo estudo apresentado na ASCO. “Ambas as técnicas apresentaram a sensibilidade necessária para que fossem incorporadas pela prática clínica. Há ainda a rapidez do resultado. Com o PCR digital, ele sai em dois dias”, explica.
Monitoramento de resposta e de resistência adquirida
Segundo os especialistas, a biópsia líquida tem se destacado como alternativa para monitoramento de resposta dos pacientes aos tratamentos. “A maneira como avaliamos um paciente, principalmente aqueles com doenças metastáticas, vai mudar. A biópsia líquida, cada vez mais, permitirá avaliá-los antes de cada novo ciclo de tratamento para saber se estão respondendo às drogas, se o tumor está diminuindo ou se ele se tornou resistente ao medicamento”, explica o Dr. Carlos Gil.
“A biópsia líquida não vai substituir a tecidual – fundamental para o diagnóstico e o estadiamento da doença -, mas tem demonstrado desempenho superior aos exames de imagem na avaliação da evolução da doença ao longo do tratamento de alguns tumores ou para a detecção do surgimento de metástases”, explica a Dra. Anamaria. “Além disso, ela pode ser repetida semanalmente sem prejuízos para a saúde do paciente, enquanto os exames de imagem, especialmente os radiológicos, devem ser muito mais espaçados”, completa. Segundo a Dra. Anamaria, há estudos que mostram que a biópsia líquida consegue detectar a progressão da doença com seis meses de antecedência em relação aos exames de imagem.