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“Genética do câncer é uma área em que os oncologistas terão de mergulhar”, diz Anamaria Camargo

Notícias Terça, 25 Julho 2017 18:44

Coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês desde a sua criação, em 2012, a pesquisadora Anamaria Camargo comenta, nesta entrevista, os avanços dos testes e painéis genéticos para seleção terapêutica de pacientes com câncer. A especialista, que por muitos anos foi diretora associada também do Instituto Ludwig de Pesquisa Sobre o Câncer, conta quais são as linhas de pesquisas mais promissoras e como este tipo de conhecimento migrou das bancadas dos laboratórios para a prática dos oncologistas clínicos. Confira.

Qual a diferença entre o diagnóstico molecular para câncer hereditário e para escolha de terapia-alvo?

As metodologias usadas nos dois tipos de teste são as mesmas, geralmente baseadas no sequenciamento do material genético. A diferença está na natureza da mutação a ser pesquisada: germinativa ou somática. As mutações germinativas são aquelas que conferem predisposição, em alguns casos elevada, de desenvolver tumores e esses tumores no geral têm uma agregação familiar. A presença de uma mutação germinativa pode ter implicação no tratamento, mas isso não é frequente. Um exemplo são os tumores de mama e ovário com mutações nos genes BRCA 1 e 2. Eles podem vir a ser tratados com inibidores de PARP e se obter uma boa taxa de resposta. Já as mutações somáticas estão casualmente associadas com a transformação maligna e progressão da doença e a detecção dessas mutações pode guiar a escolha terapêutica. Diagnóstico de câncer hereditário é mais importante como estratégia de rastreamento e de diagnóstico precoce do que efetivamente para tratamento.

Quais os testes de seleção terapêutica para uso de drogas alvo-direcionadas mais utilizados atualmente?

São os que chamamos de companion marker, quando a presença de alterações em um único alvo é preditiva de resposta a uma droga específica. Os mais utilizados são os testes para detecção de mutação em BRAF para melanoma; translocação em ALK, ROS e mutação em EGFR para câncer de pulmão; mutação em KRAS para câncer de cólon; amplificação de HER 2 para câncer de mama; fusão BCR ABL em leucemia. Nestes testes são analisados genes únicos, às vezes mutações únicas. Por exemplo, mutação V600E é analisada para o gene BRAF. Quando o paciente com melanoma tem essa mutação, pode ser tratado com vemurafenibe. Esses são testes consolidados e necessários para a indicação da droga, na medida do possível, exigidos se o serviço puder realizá-los ou terceirizá-los.

Como define a diferença entre teste e painel genético?

Teste é todo aquele que avalia a presença de mutação. Pode ser em um gene, uma única mutação, vários genes. No painel, normalmente mais de um gene, mais de um alvo são analisados.

Qual a utilidade dos painéis mais abrangentes no Brasil hoje?

Ainda é limitada. Para as drogas-alvo disponíveis em nosso país atualmente, testes específicos (companion marker) e painéis pequenos podem ser mais adequados. A maioria das novas drogas ainda está sendo avaliada em ensaios clínicos que não estão abertos no Brasil. Mas isso irá mudar. Tenho certeza de que o número de drogas e o de testes genéticos aumentarão a ponto de não se justificar mais analisar gene por gene. Painéis mais abrangentes serão solicitados. Isso não deve demorar muito, não mais do que cinco ou dez anos. Aqui no hospital, apesar de não termos um uso imediato, já estamos investindo no desenvolvimento de um painel que avaliará simultaneamente a presença em cerca de 500 genes. A ideia é evitar que, a cada ano, tenhamos que incorporar um ensaio novo. Até porque, com o desenvolvimento da metodologia de sequenciamento, em muito pouco tempo será mais caro avaliar a presença de mutações em um único gene do que em um painel definido de genes. O barateamento desses testes impulsionará a pesquisa mais abrangente. Alguns serviços já fazem o screening de um painel grande, mas reportam para o paciente só um subconjunto do que foi analisado. Acaba saindo mais barato fazer tudo padronizado para todos os tipos de tumores do que ter um painel para mama, outro para pulmão. Isso encareceria, de certa forma, e aumentaria a complexidade do serviço. Se você faz um painel mais abrangente para todos os tumores, tudo fica mais automatizado.

Quais são as linhas de pesquisa mais promissoras para seleção terapêutica?

Quando falamos em terapia-alvo em câncer, é importante considerar a taxa de resposta versus o tempo de benefício do tratamento com a droga. Percebemos de forma consistente que a taxa de resposta nunca é 100%. Então, é fundamental identificar biomarcadores de predição de resposta. Esta seria a primeira linha de pesquisa mais importante. Quando você tem uma terapia-alvo, você já sabe que ela não vai funcionar para todo mundo. A prioridade é encontrar um marcador que diga quem vai se beneficiar desse tratamento. A imunoterapia – que está sendo utilizada com muito sucesso – funciona para 30% a 40% dos pacientes. Os outros 60% a 70% não apresentam benefício. Precisamos identificar esses 30% a 40% e tratá-los e encontrar outro tratamento para os outros 60% a 70%. Uma segunda questão é que todos os pacientes selecionados terão benefício, mas, invariavelmente, todos os pacientes tratados com terapia-alvo vão adquirir resistência à droga e terão recidiva ou progressão da doença. Então, uma outra linha de pesquisa que considero muito promissora é entender melhor os mecanismos de resistência, ou seja, por que em determinado ponto aquele tumor parou de responder à droga, ficou resistente e voltou a progredir. Essa busca por conhecer mecanismos de resistência à terapia-alvo também é fundamental para o futuro da medicina personalizada. Tendo esse conhecimento, é possível desenvolver ferramentas para monitorar a resposta e detectar essa resistência de uma forma bastante precoce. Não será mais preciso que o paciente apresente progressão nos exames de imagem ou uma piora clínica significativa para dizer que aquele tratamento já não está sendo efetivo.

Apesar de todos esses avanços, esses pacientes continuam morrendo por causa do câncer?

Continuam. Controle já estamos vendo. Temos visto pacientes com câncer de pulmão, que antigamente tinham um ano de sobrevida e, com essas drogas novas, conseguem aumentar isso para até mais do que cinco anos. Mas cura somente em tumores muito iniciais. O que temos é uma cronificação do câncer. Conseguiremos cada vez mais controlar a doença. Mas curar é difícil, principalmente com terapia-alvo, porque o tumor se adapta muito fácil. Ele é geneticamente instável, tem uma capacidade de adaptação muito grande. E o tratamento exerce uma enorme pressão seletiva favorecendo o aparecimento de células resistentes.

Este tipo de conhecimento é familiar para os oncologistas clínicos?

Acho que existe um déficit de conhecimento nessa área, até porque é algo muito novo. Estamos falando de conhecimento e tecnologias desenvolvidas nos últimos dez anos. Os oncologistas mais experientes não viram esses conceitos na faculdade ou residência simplesmente porque eles não existiam. Sem conhecimentos de biologia molecular e genética do câncer, é difícil compreender a fundo a limitação dos testes genéticos e dos mecanismos de ação e resistência às drogas-alvo. Isso é algo que será necessário. É uma área importante em que os oncologistas necessariamente terão de mergulhar.

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