A incorporação do trastuzumabe ao Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe alegria, esperança e reflexão aos oncologistas brasileiros. Oficializada no último dia 3, a medida tem prazo de 180 dias para vigorar e a estimativa é de que a oferta do medicamento evite a morte de 600 mulheres com câncer de mama metastático HER2-positivo a cada dois anos no país. Conforme a literatura, a mediana de sobrevida global é de 20,3 meses com quimioterapia isolada; 40,8 meses com quimioterapia mais trastuzumabe; e 56,5 meses com quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe. “Até agora, as pacientes da rede pública estavam excluídas desse benefício”, relata o Dr. Marcelo Bumlai, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e oncologista do Hospital Geral Universitário, em Cuiabá (MT). “Essa conquista vai impactar absurdamente a vida dessas famílias”, ressalta.
O trastuzumabe foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há 18 anos e, em 2005, passou a ser coberto pelos planos de saúde. Para as pacientes da rede pública, é disponibilizado de forma parcial desde 2013, restrito aos casos de doença inicial ou localmente avançada. A Dra. Adelaide Machado Portela, membro da SBOC e oncologista da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (Cecon), diz que a incorporação representa um grande avanço na sobrevida e na qualidade de vida das pacientes com metástase, ao lembrar do perfil seguro do medicamento. A especialista lamenta, contudo, não ter sido aprovado o duplo-bloqueio, referindo-se ao indeferimento do pertuzumabe, outra droga reivindicada pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
Atuação decisiva
Oncologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, o Dr. Luiz Alberto Mattos salienta o papel da SBOC nessa conquista. A Sociedade submeteu, em 2016, um parecer técnico à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) que engloba revisão sistemática da literatura, avaliação de custo-efetividade e análise de impacto orçamentário. No mês de março, o Dr. Gustavo Fernandes, presidente da entidade, e o Dr. André Sasse fizeram uma apresentação presencial dos dados aos técnicos do governo. “Entendo que a missão da SBOC, além de promover atualização científica e de defender os direitos dos médicos, é de defesa da boa prática clínica, que se traduz na autonomia de prescrever o que é melhor para o paciente”, define Mattos. O Dr. Marcelo Bumlai também reconhece a importância dessa atuação. “A SBOC teve uma participação fantástica, habilidosa, essencial”, afirma.
Diante das limitações orçamentárias para a saúde no Brasil, o Dr. Gustavo Fernandes reforça a necessidade de fazer escolhas. “Elegemos algumas demandas de alto impacto e procuramos ajudar a conversa entre indústria farmacêutica e Ministério da Saúde e também apoiar tecnicamente o Executivo em suas decisões”, conta. “Percebemos que o discurso de incorporar tudo é o mesmo que falar em incorporar nada, porque não há recursos para as incorporações necessárias de uma forma ampla”, alerta. O sentimento, segundo ele, é de dever cumprido até aqui. “É muito gratificante atingirmos um resultado que vai mudar a mortalidade das pacientes com câncer de mama no Brasil”, diz o presidente da SBOC.