Estudo dinamarquês publicado este ano trouxe de volta a discussão sobre o sobrediagnóstico (“overdiagnosis”) em câncer de mama. O artigo de Jorgensen et al., publicado no Annals of Intern Medicine, concluiu, após 17 anos de seguimento, que o rastreamento em câncer de mama não se associou a uma redução de incidência de câncer avançado e que, provavelmente, 1 em cada 3 casos de tumores invasivos e in situ diagnosticados em mulheres submetidas ao rastreamento representam casos de sobrediagnóstico.
No Brasil e mesmo em outros países da Europa ou nos Estados Unidos, até o momento, a conduta-padrão é, uma vez detectado o tumor, tratá-lo adequadamente.
“Ao encontrar uma determinada lesão, ainda não temos condições de afirmar se a sua evolução será para um tumor maligno agressivo ou para um nódulo dormente que não representa risco”, explica o oncologista clínico Sergio Simon, médico há 36 anos no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo (SP).
Segundo o especialista, o aumento da capacidade dos exames radiológicos de identificar lesões cada vez menores leva à maior frequência do diagnóstico de câncer de mama. Em sua visão, milhares de mulheres com acesso aos programas de rastreamento, quando há um diagnóstico de câncer de mama, passam por cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia e, graças ao tratamento, têm suas vidas poupadas.
“Entre os tumores pequenos, de baixo grau, 5% a 10% são de crescimento lento e não incomodariam as pacientes ao longo do tempo. Mas, normalmente, surgem outras lesões que precisam ser tratadas”, afirma o Dr. Sergio Simon. “Ocorrem, sim, tratamentos desnecessários. No entanto, hoje não sabemos como diferenciá-los daqueles que são fundamentais para evitar a doença”, enfatiza.
Testes para inferir evolução dos tumores são a esperança
Esta diferenciação entre os tumores dormentes e os que se tornarão agressivos é o grande desafio dos pesquisadores em todo o mundo. Para evitar excessos, os médicos precisariam adaptar o tratamento das lesões às características histológicas e moleculares de cada caso. Dessa forma, a detecção inicial continuaria sendo indispensável para fornecer informações sobre como prevenir um eventual câncer de mama agressivo ou até mesmo letal.
Contudo, estes testes moleculares ou genômicos capazes de determinar com precisão de que maneira cada tumor deve se desenvolver ainda não são uma realidade no Brasil nem em outros países. “Representam uma esperança para o futuro”, avalia o Dr. Sergio Simon. “Por enquanto, mantemos a conduta de tratar todas as lesões potencialmente agressivas e também temos muito a evoluir, em nosso país, no acesso ao rastreamento e na qualidade dos exames de imagem”, completa.
Autonomia da paciente na decisão sobre o tratamento de câncer
Uma das estratégias indicadas para minimizar o risco de sobrediagnóstico e/ou sobretratamento, conforme editorial do Journal of the American Medical Association (JAMA) publicado há dois anos, é “reavaliar se as calcificações amorfas agrupadas devem ser alvo de rastreio, novos exames e biópsia, especialmente em mulheres mais velhas”.
O Dr. Sergio Simon conta que as pacientes são informadas sobre seu caso e a conduta indicada, participando da decisão ao assinar ou não o termo de consentimento informado. Na experiência dele, é raro uma paciente decidir não se tratar com base na possibilidade de sobrediagnóstico.
Conforme relata o oncologista, diagnosticar uma lesão com potencial evolução para câncer e não realizar o tratamento é mais comum realmente em pacientes idosas, quando a biópsia mostra um tumor de baixa agressividade naquele momento. “Há situações em que a paciente apresenta outras comorbidades, indicando pior cenário se ela for exposta a cirurgia ou a terapias com efeito colateral significativo”, lembra. “Cada caso merece uma avaliação criteriosa. A idade por si só não é um fator determinante para esta decisão, pois há mulheres mais velhas com tumores muito agressivos”, pondera o Dr. Sergio Simon.