Acaba de ser publicado na Revista da Associação Médica Brasileira (RAMB) estudo da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) que avalia a opinião dos oncologistas brasileiros sobre a experiência dos pacientes sob seus cuidados com a fosfoetanolamina sintética . Dentre os 398 médicos que responderam à pesquisa, 115 (28,9%) acompanharam pacientes que usaram ou estavam usando a substância sem qualquer recomendação do especialista, dos quais apenas quatro (3,5%) lhe atribuíram algum benefício clínico.
Mesmo na ausência de estudos adequados de segurança em seres humanos, a substância vem sendo utilizada há alguns anos no Brasil. A chamada “pílula do câncer” tomou as manchetes dos jornais e viralizou nas redes sociais, em 2015, quando o laboratório da Universidade de São Paulo suspendeu a sua fabricação e pacientes entraram na Justiça exigindo a continuidade do tratamento.
Na pesquisa da SBOC, embora 95% dos oncologistas afirmem ter tido pacientes que desejavam usar a fosfoetanolamina, quase metade (49,7%) não recomendou o uso da substância; cerca de um terço (28,4%) a contraindicou; 10,6% aceitaram como tratamento complementar, desde que mantidos os medicamentos convencionais prescritos, e apenas 3,8% aceitaram o seu uso dependendo das circunstâncias.
A maioria dos oncologistas ouvidos (83,2%) defendeu a posição de que a fosfoetanolamina somente deveria ser fornecida aos pacientes no contexto de ensaios clínicos. Perguntados se estes estudos deveriam ser prioritários, 28,4% concordaram, enquanto 49,5% disseram que os testes são necessários, mas não uma prioridade.
Desde julho de 2016, uma pesquisa clínica sobre o uso da fosfoetanolamina em humanos está sendo realizada pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), financiada pelo Ministério da Saúde. Cerca de 200 pacientes participam dos testes atualmente.
Ainda segundo o artigo publicado na RAMB, dois terços dos oncologistas concordaram completamente com a posição dos representantes da SBOC em suas opiniões públicas sobre o assunto, enquanto 6% concordaram apenas em parte. Contudo, 21,6% não haviam visto as entrevistas nem lido os artigos em que a entidade manifestou sua opinião de que ensaios clínicos e avaliação adequados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devem ser realizados antes que a substância seja disponibilizada ao público.
Os dados foram coletados entre 11 e 18 de dezembro de 2015. A pesquisa foi enviada a todos os oncologistas membros ativos da SBOC, num total de 1.072 médicos.
Posicionamento oficial
“A SBOC e seus membros acreditam firmemente que ensaios clínicos adequados são de suma importância e absolutamente necessários antes que a substância possa ser considerada no tratamento de pacientes com câncer”, diz o artigo. “Além disso, a distribuição e o uso descontrolados de fosfoetanolamina sem evidência adequada de seus benefícios e segurança constituem um perigo para a saúde pública no Brasil”, alerta.
O presidente da SBOC, Dr. Gustavo Fernandes, conta que o objetivo do estudo é marcar esta posição oficial. “A pesquisa foi representativa da comunidade médica de oncologistas e agora está publicada em uma revista indexada como uma opinião coletiva de especialistas”, comemora.
Com o título “A ‘miracle’ cancer drug in the era of social media: a survey of Brazilian oncologists' opinions and experience with phosphoethanolamine” (“Uma ‘milagrosa’ droga contra o câncer na era da mídia social: uma pesquisa sobre a opinião e a experiência dos oncologistas brasileiros com a fosfoetanolamina”), o artigo é assinado pelo Dr. Gustavo Fernandes e os especialistas Juliana Florinda M. Rêgo, Gilberto Lopes, Rachel P. Riechelmann, Cinthya Sternberg e Claudio Ferrari.
Segundo o próprio estudo, esta é a primeira pesquisa a avaliar a opinião e a experiência de oncologistas durante os estágios iniciais do uso de um suposto "milagre" de terapia alternativa. “Esperamos que a sociedade, os legisladores e o sistema judiciário cheguem ao entendimento de que o desenvolvimento de drogas é uma questão científica e redirecionem seus esforços para melhorar e agilizar nosso sistema regulatório para ensaios clínicos e aprovação de medicamentos, acelerando a disponibilidade de candidatos a drogas verdadeiramente promissoras e a oferta de medicamentos comprovados para nossos pacientes”, conclui o texto.