Aliviar o sofrimento de pacientes com câncer e de seus familiares é uma necessidade cada vez mais assumida pela Oncologia em todo o mundo. O brasileiro André Filipe Junqueira dos Santos ganhou este ano o Prêmio de Educação e Desenvolvimento Internacional em Cuidados Paliativos (IDEA-PC), da American Society of Clinical Oncology (ASCO), por sua atuação destacada na área em nosso país. O envolvimento com pacientes no setor de emergência de um grande hospital público e a abordagem interdisciplinar que promove em uma clínica de oncologia chamaram a atenção da instituição americana.
Criado em 2011, o IDEA-PC é um incentivo para jovens médicos de países de baixa e média renda conectarem-se a líderes de Cuidados Paliativos nos Estados Unidos e no Canadá visando melhorar o atendimento no seu país de origem. O prêmio da ASCO levou o Dr. André Junqueira ao maior congresso mundial da Oncologia, em Chicago, no início de junho, e a uma visita de três dias à Universidade de Stanford, na Califórnia, para aprofundar-se em pesquisa.
A escolha da ASCO leva em consideração o perfil do profissional, suas publicações e o impacto do seu trabalho. Junqueira coordena da área de Cuidados Paliativos da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), da Universidade de São Paulo, e também atua no Instituto de Oncologia de Ribeirão Preto, que atende pacientes de planos de saúde e particulares.
Atendimento interdisciplinar
O médico dedica 20 horas semanais a cada serviço. No hospital público, assiste os pacientes à beira do leito, conforme indicação do colega que fez o primeiro atendimento. São em torno de 100 por mês. Já na instituição particular, trabalha com consultas agendadas, num total de 30 a 40 mensais. A característica em comum é a abordagem compartilhada, no mesmo momento, com psicólogo, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta ou assistente social, de acordo com o caso. Dependendo da situação, a conversa se estende também à família.
Segundo Junqueira, a expressão mais correta para este tipo de atendimento é interdisciplinar. O especialista conta que ele e os outros profissionais fazem perguntas complementares ao paciente e cada um direciona melhor a sua conduta a partir das respostas e da interpretação dos colegas. Muitas vezes, interagem após a consulta para trocar ideias e tomar decisões em conjunto.
O médico diz que esse tipo de trabalho se diferencia do chamado multidisciplinar, em que os profissionais conversam separadamente com o paciente. Conforme a experiência de Junqueira, na atuação interdisciplinar, a participação de todos numa mesma conversa otimiza o tempo, faz com que o paciente se sinta mais acolhido e evita erros de comunicação, além de estimular a colaboração mútua entre os profissionais.
“No contexto de Cuidados Paliativos, a conversa com o paciente não discute as linhas de tratamento em si, mas o que a pessoa está sentindo, suas expectativas e seus medos”, conta. Junqueira defende que os cuidados paliativos sejam oferecidos ao paciente com câncer logo após o diagnóstico, assim como determina a recente diretriz da ASCO para a área. Estudos de forte evidência científica apontam que os cuidados paliativos diminuem a depressão e aumentam a qualidade de vida, a satisfação com o atendimento e até mesmo o tempo de vida.
Lacuna de 20 anos
A partir da experiência em Stanford, o Dr. André Junqueira pretende aprofundar seus estudos sobre as diferenças entre os cuidados paliativos nos Estados Unidos e no Brasil. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, a área existe há 30 anos, enquanto aqui tem de 10 a 15 anos de história, sendo que ganhou força somente de 2010 em diante. “A oncologia brasileira já tem nível mundial. Os cuidados paliativos precisam alcançar este patamar”, defende.
Em sua visão, parte dos médicos brasileiros estigmatiza os cuidados paliativos ao encaminhar os pacientes somente quando ‘não há mais o que fazer’. Junqueira discorda frontalmente dessa conduta: “Essa frase é péssima e não deve ser dita. Pelo contrário, os profissionais devem explicar aos pacientes que pode haver muito a ser feito e com qualidade, sendo uma mudança de tratamento, não um abandono”, ressalta.
O especialista, que também atua como vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), estima que apenas 1% dos pacientes que deveriam receber cuidados paliativos têm acesso a esse atendimento no Brasil. São cerca de 900 mil mortes ao ano no país por doenças crônico-degenerativas e somente 9 a 10 mil consultas anuais com essa abordagem.
Segundo o médico, estudos mostram que os latinos, de forma geral, têm mais dificuldade de lidar com a morte do que outros povos. “Um trabalho publicado pela revista Economist neste ano demonstrou que, na América Latina, a maioria opta por tratamentos prolongadores da vida, ainda que isso implique em muita dor, ao contrário de pessoas em países desenvolvidos onde os Cuidados Paliativos estão consolidados”, revela.
Sobre o potencial de crescimento dos cuidados paliativos, o Dr. André Junqueira é otimista. Em sua atuação na ANCP, já identificou interesse tanto do Ministério da Saúde quanto das operadoras de convênios médicos em aumentar a oferta do atendimento.
Aos oncologistas interessados em conhecer melhor a área, o especialista recomenda que comecem a dialogar mais com seus pacientes sobre o que eles desejam para sua vida a partir da descoberta do câncer. “Quando houver um serviço de cuidados paliativos disponível, que o médico encaminhe o indivíduo logo após o diagnóstico de câncer metastático. Se não houver, que o profissional comece a levantar essa bandeira na unidade onde atua”, finaliza Junqueira.