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A importância da qualidade muscular para melhores desfechos oncológicos e o impacto da nutrição

Multiprofissional Sexta, 22 Novembro 2024 15:46
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Por Ludmilla Muglia Pereira, Mariana Gavioli de Oliveira e Sabrina Tonini  

 

No contexto mundial, o câncer é um dos maiores causadores de morte por doenças crônicas não transmissíveis. Assim, se estabelece como um problema de saúde pública e, atualmente, é a segunda principal causa de óbito nos países desenvolvidos. Portanto, a identificação previa do câncer e o tratamento adequado é recomendado com o objetivo de ampliar o tempo e a qualidade de vida dos doentes (1,2,3). Visto que o câncer pode ocasionar uma série de modificações metabólicas graves, como o hipercatabolismo proteico com uma diminuição da massa muscular nos pacientes e uma perda de peso importante. Várias são as razões para que isso ocorra, como gasto energético aumentado, inapetência, inflamação sistêmica, alterações desequilibradas do metabolismo do ambiente tumoral e o próprio tratamento oncológico (cirurgia/radio e quimioterapia) (4,5).

A sarcopenia definida como a perda progressiva de massa e função muscular é uma indicação prognóstica de desfechos desfavoráveis a estes pacientes, incluindo: menor tolerância à quimioterapia, deterioração significativa no status de desempenho, da qualidade de vida, piores resultados pós-operatórios e sobrevida global reduzida (6).

Uma outra condição que pode confundir o profissional de saúde é a obesidade sarcopênica, uma condição cada vez mais comum, onde indivíduos obesos apresentam baixa musculatura e força, com risco ainda maior de resultados adversos durante o tratamento oncológico. Infelizmente, não sendo diagnosticada frequentemente nesses pacientes, escondida sob um índice de massa corporal mais alto. Identificar estas subpopulações com sarcopenia e obesidade sarcopênica permitiria planos de tratamento mais eficazes através de uma intervenção nutricional precoce e adequada (7). 

Uma outra questão importante além da quantidade muscular é sua qualidade, que está sendo vez mais estudada e identificada como um importante preditor no impacto metabólico destes pacientes. Conhecida como miosteatose, infiltração gordurosa na massa muscular está associada a uma resistência à insulina, fator que pode complicar o tratamento de pacientes com câncer, principalmente aqueles com diabetes tipo 2 (8)Além disso, o acúmulo de gordura intramuscular está associado a um estado inflamatório crônico que aumenta os sintomas de impacto nutricional durante o tratamento. Esta inflamação é particularmente preocupante nestes pacientes, uma vez que está associada a uma menor resposta ao tratamento e a progressão da doença (9,10). 

Sendo assim, fatores nutricionais, exercício físico e estilo de vida irão interferir na mudança desta composição corporal, assim se faz necessário uma abordagem integrativa e multiprofissional aos pacientes, em especial uma terapia nutricional individualizada, que deve ser instituída em qualquer tipo de tratamento oncológico deste o diagnóstico até o pós-tratamento (11).

As necessidades energéticas são sempre individualizadas e diferem quanto a localização, o tipo do tumor, o estadiamento da doença e o tratamento proposto. Através de um cálculo conhecido como “regra de bolso”, é possível estimar e calcular a oferta energética dos pacientes com câncer que pode variar de 20 a 25 kcal/kg/dia em pacientes obesos, até 30 a 35 kcal/kg/dia em pacientes com caquexia, sarcopênicos ou desnutridos (12).

As necessidades proteicas no paciente oncológico também devem ser cuidadosamente calculadas e avaliada, uma vez que é a principal fonte para construção e manutenção da massa muscular esquelética. A oferta de proteína busca compensar as perdas associadas a condições inflamatórias e catabólicas dos pacientes oncológicos. A ingestão proteica recomendada pode variar entre 1g/kg/dia a 2,0g/kg/dia (12).

Nestes pacientes, certos aminoácidos presentes em fontes alimentares são particularmente importantes devido ao seu papel no anabolismo muscular e na modulação da resposta inflamatória. Os aminoácidos que apresentam maior atuação nesse processo são:

1-  Leucina: A leucina é um aminoácido essencial que tem um papel fundamental na síntese proteica muscular. Estudos indicam que a leucina pode ajudar a superar a resistência anabólica observada em pacientes com câncer, promovendo a síntese de proteínas musculares. Alimentos ricos em leucina incluem carnes, peixes, ovos, laticínios, soja e leguminosas (13,14)

2- Arginina: A arginina é um aminoácido condicionalmente essencial que pode melhorar a resposta imunológica e reduzir a inflamação, fatores importantes em pacientes oncológicos. Fontes alimentares de arginina incluem carnes, nozes, sementes, leguminosas e produtos lácteos (13, 14, 15).

3- Aminoácidos de Cadeia Ramificada (BCAAs): Além da leucina, os outros BCAAs (isoleucina e valina) também são importantes para a síntese proteica e a manutenção da massa muscular. Fontes alimentares incluem carnes, laticínios, ovos, soja e leguminosas (13)

É importante considerar que a resposta anabólica pode ser melhorada com a ingestão de proteínas de alta qualidade e a inclusão de aminoácidos específicos na dieta para pacientes oncológicos (16).

A literatura sugere que dieta equilibrada em aminoácidos essenciais pode ser benéfica para prevenir a perda muscular em pacientes com câncer, independentemente do estado nutricional ou da resposta inflamatória sistêmica. É importante considerar a ingestão de proteínas de alta qualidade, ou seja, as de origem animal, que fornecem um perfil completo de aminoácidos essenciais, para otimizar o suporte nutricional nestes pacientes (13, 17).

Estudos mostram que além de aminoácidos e proteínas, os ácidos graxos ômega-3, especialmente o ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosahexaenoico (DHA) tem desempenhado um papel significativo como agentes anti-inflamatórios e na preservação da massa muscular em pacientes oncológicos.  A inflamação crônica é um fator chave na progressão do câncer e da caquexia, uma síndrome caracterizada por perda de peso involuntária e de massa muscular (18)

Os ômega-3 são precursores de mediadores que ajudam a reduzir a inflamação e, consequentemente, a degradação muscular. Estudos indicam que a suplementação com EPA e DHA, pelo menos 2 g ao dia, pode aumentar a síntese proteica muscular e diminuir a perda proteica, ajudando a manter a massa muscular destes pacientes (19,20) Além disso, os ômega-3 podem melhorar a regeneração muscular ao modular positivamente a resposta inflamatória local e sistêmica, o que é crucial em condições de inflamação aguda e crônica (21, 22).

A intervenção nutricional tem como um dos principais objetivos melhorar a composição corporal, preservando ou aumentando a massa muscular, regulando a gordura corporal para níveis adequados, em busca de uma melhor resposta aos tratamentos, dos prognósticos e principalmente, na melhora da qualidade de vida (23).

 

Referências

1. Fruchtenicht AV, Poziomyck AK, Kabke GB, Loss SH, Antoniazzi JL, Steemburgo T, Moreira LF. Nutritional risk assessment in critically ill cancer patients: systematic review. Rev Bras Ter Intensiva. 2015 Jul-Sep;27(3):274-83. doi: 10.5935/0103-507X.20150032. Epub 2015 Aug 11. PMID: 26270855; PMCID: PMC4592123.

2. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, Bray F. Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA Cancer J Clin. 2021 May;71(3):209-249. doi: 10.3322/caac.21660. Epub 2021 Feb 4. PMID: 33538338.

3. Al-Azri MH. Delay in Cancer Diagnosis: Causes and Possible Solutions. Oman Med J. 2016 Sep;31(5):325-6. doi: 10.5001/omj.2016.65. PMID: 27602184; PMCID: PMC4996960.

‌4. Maurina, A. L. Z., Dell’Osbel, R. S., & Zanotti, J. (2020). Avaliação Nutricional e Funcional em Oncologia e Desfecho Clínico em Pacientes da Cidade de Caxias do Sul/RS. Revista Brasileira De Cancerologia66(2), e–10996. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n2.996

5. Vega MC, Laviano A, Pimentel GD. Sarcopenia and chemotherapy-mediated toxicity. Einstein (Sao Paulo). 2016 Oct-Dec;14(4):580-584. doi: 10.1590/S1679-45082016MD3740. PMID: 28076611; PMCID: PMC5221390.

‌6. Ryan AM, Sullivan ES. Impact of musculoskeletal degradation on cancer outcomes and strategies for management in clinical practice. Proc Nutr Soc. 2021 Feb;80(1):73-91. doi: 10.1017/S0029665120007855. Epub 2020 Nov 3. PMID: 32981540.

7. Mei KL, Batsis JA, Mills JB, Holubar SD. Sarcopenia and sarcopenic obesity: do they predict inferior oncologic outcomes after gastrointestinal cancer surgery? Perioper Med (Lond). 2016 Oct 26;5:30. doi: 10.1186/s13741-016-0052-1. PMID: 27800156; PMCID: PMC5080704.

8. Kim TN, Choi KM. Sarcopenia: definition, epidemiology, and pathophysiology. J Bone Metab. 2013 May;20(1):1-10. doi: 10.11005/jbm.2013.20.1.1. Epub 2013 May 13. PMID: 24524049; PMCID: PMC3780834.

9. Li CW, Yu K, Shyh-Chang N, Jiang Z, Liu T, Ma S, Luo L, Guang L, Liang K, Ma W, Miao H, Cao W, Liu R, Jiang LJ, Yu SL, Li C, Liu HJ, Xu LY, Liu RJ, Zhang XY, Liu GS. Pathogenesis of sarcopenia and the relationship with fat mass: descriptive review. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2022 Apr;13(2):781-794. doi: 10.1002/jcsm.12901. Epub 2022 Feb 2. PMID: 35106971; PMCID: PMC8977978.

10. Correa-de-Araujo R, Addison O, Miljkovic I, Goodpaster BH, Bergman BC, Clark RV, Elena JW, Esser KA, Ferrucci L, Harris-Love MO, Kritchevsky SB, Lorbergs A, Shepherd JA, Shulman GI, Rosen CJ. Myosteatosis in the Context of Skeletal Muscle Function Deficit: An Interdisciplinary Workshop at the National Institute on Aging. Front Physiol. 2020 Aug 7;11:963. doi: 10.3389/fphys.2020.00963. PMID: 32903666; PMCID: PMC7438777. 

11. Coronha AL, Camilo ME, Ravasco P. A importância da composição corporal no doente oncológico: qual a evidência? [The relevance of body composition in cancer patients: what is the evidence?]. Acta Med Port. 2011 Dec;24 Suppl 4:769-78. Portuguese. Epub 2011 Dec 31. PMID: 22863483. 

12. HORIE, Lilian Mika et al. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no paciente com câncer. BRASPEN J, v. 34, supl 1, p. 2-32, 2019.

‌13. Jonker R, Engelen MP, Deutz NE. Role of specific dietary amino acids in clinical conditions. Br J Nutr. 2012 Aug;108 Suppl 2(0 2):S139-48. doi: 10.1017/S0007114512002358. PMID: 23107525; PMCID: PMC4734127.

14. Soares JDP, Howell SL, Teixeira FJ, Pimentel GD. Dietary Amino Acids and Immunonutrition Supplementation in Cancer-Induced Skeletal Muscle Mass Depletion: A Mini-Review. Curr Pharm Des. 2020;26(9):970-978. doi: 10.2174/1381612826666200218100420. PMID: 32067606.

‌15. Sindhu R, Supreeth M, Prasad SK, Thanmaya M. Shuttle between arginine and lysine: influence on cancer immunonutrition. Amino Acids. 2023 Nov;55(11):1461-1473. doi: 10.1007/s00726-023-03327-9. Epub 2023 Sep 20. PMID: 37728630.

‌16. Siqueira JM, Vega MCMD, Pimentel GD. Amino acids and cancer: potential for therapies? Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2024 Jan 1;27(1):47-54. doi: 10.1097/MCO.0000000000000998. Epub 2023 Nov 25. PMID: 37997812.

17. Engelen MPKJ, Safar AM, Bartter T, Koeman F, Deutz NEP. High anabolic potential of essential amino acid mixtures in advanced nonsmall cell lung cancer. Ann Oncol. 2015 Sep;26(9):1960-1966. doi: 10.1093/annonc/mdv271. Epub 2015 Jun 25. PMID: 26113648; PMCID: PMC4551158.

18. Murphy RA, Mourtzakis M, Mazurak VC. n-3 polyunsaturated fatty acids: the potential role for supplementation in cancer. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2012 May;15(3):246-51. doi: 10.1097/MCO.0b013e328351c32f. PMID: 22366922.

‌‌19. Ewaschuk JB, Almasud A, Mazurak VC. Role of n-3 fatty acids in muscle loss and myosteatosis. Appl Physiol Nutr Metab. 2014 Jun;39(6):654-62. doi: 10.1139/apnm-2013-0423. Epub 2014 Jan 24. PMID: 24869970.

‌20. Jannas-Vela S, Espinosa A, Candia AA, Flores-Opazo M, Peñailillo L, Valenzuela R. The Role of Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids and Their Lipid Mediators on Skeletal Muscle Regeneration: A Narrative Review. Nutrients. 2023 Feb 8;15(4):871. doi: 10.3390/nu15040871. PMID: 36839229; PMCID: PMC9965797.

‌‌21. Blaauw R, Calder PC, Martindale RG, Berger MM. Combining proteins with n-3 PUFAs (EPA + DHA) and their inflammation pro-resolution mediators for preservation of skeletal muscle mass. Crit Care. 2024 Feb 1;28(1):38. doi: 10.1186/s13054-024-04803-8. PMID: 38302945; PMCID: PMC10835849.

‌22. Laviano A, Rianda S, Molfino A, Rossi Fanelli F. Omega-3 fatty acids in cancer. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2013 Mar;16(2):156-61. doi: 10.1097/MCO.0b013e32835d2d99. PMID: 23299701.

‌23. Mcmillan DC, Watson WS, Preston T, Mcardle CS. Lean body mass changes in cancer patients with weight loss. Clin Nutr. 2000 Dec;19(6):403-6. doi: 10.1054/clnu.2000.0136. PMID: 11104590.

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