De psicóloga a presidente de ONG, de oncologista a professora universitária, de pesquisadora a gestora de sociedade médica. Neste mês da mulher, a SBOC conta um pouco da história de três delas que decidiram mudar o rumo de suas carreiras para atuar na oncologia de outra forma.
Luciana Holtz, diretora-presidente do Instituto Oncoguia, é psicóloga especializada em oncologia e bioética. Desde a faculdade, concluída em 1997, interessou-se pela jornada do paciente com câncer. Começou a atender em diversos serviços, centros de quimioterapia, hospitais e consultório particular, em São Paulo. Era frequente receber pacientes desestruturados após a leitura na internet de informações equivocadas. O incômodo e a inquietação cresciam e ela resolveu fazer algo. Criou, em 2003, o site Oncoguia, despretensioso, porém com informações de qualidade. A plataforma foi crescendo, mas ela permanecia focada em seus atendimentos. Até que, em 2007, foi indicada por um médico oncologista para liderar no Brasil a iniciativa global de conscientização sobre o câncer de mama da ONG americana Susan G. Komen for the cure. Foram cinco anos nesse papel. “Mergulhei no mundo das ONGs e isso foi transformador na minha vida”, conta. Pelo volume de trabalho e complexidade dos desafios e responsabilidades, aos poucos foi deixando de atuar como psicóloga. Em 2009, fundou o Oncoguia como instituto, ao lado de três parceiros, para oferecer orientação, atuar em educação em saúde, defender os direitos dos pacientes com câncer e influenciar políticas públicas. “Esses anos todos me propiciaram muitos aprendizados e, naquele momento, já me sentia mais preparada para encarar o desafio de dirigir uma ONG”, lembra. Valeu a pena. O trabalho do Instituto consolidou-se e é respeitado no meio. Viciada em trabalho, Luciana teve como recente desafio, aos 42 anos, reservar mais tempo para a vida pessoal. Seus gêmeos Bruno e Frederico têm pouco mais de um aninho. Como gestora, aproveita o lado “mãe e psicóloga” para acolher a todos, mas se policia para respeitar os limites profissionais e institucionais. “Temos os nossos desafios internos no Oncoguia e também contato com histórias muito doloridas, mas o foco é sempre a maneira certa de ajudar dentro do que nos propusemos desde o início”, avalia.
Para a oncologista clínica Maria de Fátima Dias Gauí o caminho para ajudar um número maior de pessoas também extrapolava o atendimento clínico. Sua vocação, além da medicina em si, é formar gente. Foi mãe aos 23 anos. Com 30, iniciou um serviço de Oncologia Clínica no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O desafio de criar a estrutura e a cultura de Oncologia foi enorme, mais do que o de ser mulher em um cargo de gestão”, conta. “Tudo era difícil. Mulher, nova, recém-saída da residência. Me sentia um pouco acanhada nas reuniões. Com o tempo, fui sendo respeitada.” Depois de três anos, passou num concurso da Fundação Ary Frauzino e foi para o Instituto Nacional de Câncer (Inca), onde ficou 17 anos, como oncologista, pesquisadora, preceptora e chefe da Divisão de Oncologia Clínica de 1995 a 1996. Paralelamente, atuou em sua clínica particular durante mais de duas décadas. Em 2014, decidiu abraçar a docência e tornou-se a primeira professora de Oncologia da UFRJ. “Atuei no Inca, que é uma instituição pública, formei muitos residentes, mas o número de alunos é muito maior na universidade.” Havia deixado o Inca poucos anos antes, vendeu sua clínica e continua em uma outra clínica privada somente duas vezes por semana. Como professora assistente, tem em torno de 200 alunos, somando os da graduação, da iniciação científica e do mestrado. A doutora conta que sempre quis voltar para a universidade pública. “Tinha esse desejo de um dia poder retribuir a formação que recebi e deixar um legado.” Contudo, precisou adiar esse plano. “Você precisa estar disponível do ponto de vista financeiro para ser professora. Não depender do salário, que é irrisório. Quando as pessoas se formam, não podem optar pela carreira acadêmica, porque a baixa remuneração não permite que o indivíduo abra mão de uma posição na iniciativa privada”, opina. “Além disso, professor tem que escrever, se envolver com pesquisa, ter tempo extra fora da sala de aula”, ressalta. A Dra. Gauí também foi pioneira no associativismo médico, a primeira presidente mulher da SBOC-RJ, regional da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, e no tênis. Jogava desde quando não era nada comum ver uma mulher com raquete na mão. “Eu era a única no ranking masculino do clube”, brinca. No próximo mês, com 57 anos, será avó da primeira neta.
A Dra. Cinthya Sternberg também assumiu o desafio de mudar de área dentro da oncologia. Formou-se em Genética pela UFRJ, tendo feito iniciação científica desde o primeiro semestre da faculdade. “Sempre fui apaixonada por pesquisa.” Emendou – literalmente – graduação, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados, estes últimos realizados em Israel, tornando-se especialista em mecanismos de morte celular e sinalização. Teve facilidade para emigrar por ser judia e ter dupla cidadania. “Isso facilitava o acesso a bolsas de prestígio que não estavam disponíveis para estrangeiros”. Durante esse período no exterior, ampliou seus conhecimentos em oncologia e passou a pesquisar especificamente o câncer. “Foi a primeira grande inflexão.” Após um período de seis anos fora do Brasil, voltou como pesquisadora visitante do Inca e logo assumiu a chefia da pesquisa translacional por sete anos. Até aí, o meio acadêmico era seu berço e morada profissional. Em 2014, porém, entraves no recrutamento de pacientes, causados por uma série decisões políticas e burocráticas, dificultaram a condução dos estudos. “Acabei recebendo um convite para sair do Inca e gerenciar a interação médico-científica numa CRO [clinical research organization] americana no Brasil. Tive uma rápida passagem por essa empresa, mas que me ajudou muito em relação a processos de gestão, planejamento, estratégia e compliance. São conhecimentos e habilidades muito mais facilmente desenvolvidos quando se está em uma empresa grande, madura, multinacional, na comparação com o ambiente acadêmico”, avalia. Logo depois, veio o convite para ser diretora executiva da SBOC, um cargo que estava sendo criado para profissionalizar a Sociedade. “Eles procuravam alguém com background de onco, de ciência, mas que tivesse um drive de gerenciamento e liderança para ‘sinergizar’ com as outras pessoas da diretoria. Fiquei com uma formação híbrida que fez com que diretores diferentes aventassem meu nome para ocupar essa posição”, conta. Ela está há dois anos e meio no cargo e sua atuação com “uma equipe competente em suas respectivas áreas” fez com que várias mudanças e novidades já fossem colocadas em prática. “Ainda continuo atuando em pesquisa, com carga horária reduzida, mas o que me energiza é a mesma sensação desde sempre: fazer algo novo e que toque os meus pares, as pessoas ao meu redor.” As atribuições como gestora da SBOC a colocam frequentemente em situações onde a maioria dos seus interlocutores ainda é formada por homens. “Já fui chamada de ‘boneca’ em uma reunião claramente para ser inferiorizada. Principalmente em situações em que você precisa dar uma opinião contrária a de alguém, é frequente ainda que a aquela pessoa exalte a diferença de gênero e tente te colocar numa posição vulnerável por ser mulher. Mas a gente aprende a se posicionar. Faz parte da curva de aprendizado”, conclui.