A pesquisa clínica avança no mundo em altíssima velocidade e a sensação dos pesquisadores da Oncologia Clínica é que o Brasil está ficando para trás. O motivo? Demora na aprovação regulatória dos estudos. O prazo médio para liberação pela nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é de um ano, enquanto nos Estados Unidos e na Coreia do Sul não passa de três meses. O número de estudos em todo o mundo cresceu 13.326% em 18 anos (veja infográfico abaixo). A parcela que cabe ao Brasil hoje é de 6.278 estudos ou 1,65% do total. Deveria ser, no mínimo, três vezes maior, de acordo com o Dr. Fabio Franke, vice-presidente da SBOC para Pesquisa Clínica e Estudos Corporativos: “Entendemos que o Brasil poderia participar de 6% das pesquisas não fossem os entraves burocráticos”.
“O mundo está mais competitivo. Houve uma entrada forte da China e de países do Leste Europeu nas pesquisas para tratamento de câncer”, avalia a Dra. Maria Del Pilar Estevez Diz, chefe da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). “Quando um estudo finalmente é aprovado aqui, já está aberto em outros países há algum tempo e conseguimos incluir um número cada vez menor de pacientes”, explica a médica.
A chefe da Divisão de Pesquisa Clínica do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Dra. Andréia Melo, acredita que as aprovações regulatórias tardias tornaram o Brasil malvisto pela comunidade internacional. “Muitos patrocinadores sequer consideram enviar estudos para cá”, salienta. A oncologista conta que outros países têm representado a América do Sul nesses estudos, como Colômbia, Chile e Argentina, com intervalos muito menores para aprovação. “E a nossa demora não significa que nossa análise seja diferente da desses outros países, mas sim que devemos nos organizar melhor. Temos um número limitado de pessoas trabalhando nos órgãos regulatórios; menos profissionais capacitados para priorizar as análises.”
Investimentos e qualificação
A Dra. Pilar, do ICESP, frisa que o avanço da oncologia demanda agilidade crescente e que o Brasil tem centros de oncologia e profissionais com conhecimento técnico para desenvolver os estudos. Mas boa parte deste potencial está sendo desperdiçada. Embora o Brasil seja o quinto mais populoso do mundo e o sexto maior mercado mundial de medicamentos, está apenas em 14º no ranking de número de estudos clínicos registrados.
Levantamento recente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) mostra que ao menos 242 estudos relacionados a medicamentos deixaram de ser realizados no país nos últimos sete anos, com perda de R$ 490 milhões em investimentos. “Receber estudos clínicos demanda da instituição uma estrutura adequada, o que se reflete em melhorias em vários setores.
“Ninguém funciona em ilhas; você precisa ter um bom serviço ou é muito difícil participar de pesquisas complexas e de qualidade”, explica a Dra. Pilar. A médica acrescenta que o contrário é verdadeiro, isto é, se há menos estudos clínicos, o investimento administrativo e acadêmico também é menor.
Uma ou duas semanas para recrutar pacientes é um prazo esdrúxulo, na opinião da Dra. Andréia Melo, do INCA. Mas a situa-ção é frequente no Brasil por causa da demora na aprovação dos protocolos de pesquisa. Ela conta que preparar o centro de pesquisa para participar de um estudo, submeter toda a documentação regulatória e depois ter um tempo extremamente reduzido para incluir pacientes acaba sendo “muito trabalho para poucos frutos, tanto para a instituição como para a população”.
Para a Dra. Pilar, a redução no número de estudos causa diversas perdas diretas e indiretas. “Os médicos assistentes que participam dos estudos [no caso do ICESP são todos eles] passam por um treinamento muito específico, se aprofundam, investigam, são expostos a questões éticas, vivenciam eventuais complicações e como manejá-las e se familiarizam com medicamentos que estarão na sua rotina no futuro”, explica. “Também há um padrão mais rígido de atendimento e acompanhamento, próprio do ambiente de pesquisa, que propiciam mais qualificação para todos os profissionais envolvidos; as discussões são mais elaboradas”, frisa.
Na visão da chefe de Oncologia Clínica do ICESP, pesquisas são trabalhosas, mas a satisfação e o desenvolvimento profissional e pessoal são ímpares. “Ver a apresentação de um estudo mundial e importante do qual você participou desde o início é muito gratificante”, externa.