Pode parecer estranho para um país em que a medicina é avançada como a nossa, mas até hoje nenhuma lei regulamenta a realização de pesquisas clínicas no Brasil. Há somente resoluções e normativas do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Essas determinações não têm valor jurídico; podem ser alteradas a qualquer momento”, conta o Dr. Fábio Franke, presidente da Aliança Pesquisa Clínica Brasil e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
O projeto de lei 7082/2017 propõe a criação deste marco regulatório, estabelecendo regras para os estudos clínicos em seres humanos, incluindo prazo máximo de 90 dias para a aprovação de cada protocolo de pesquisa. Desde o início de abril, a matéria aguarda parecer do relator Afonso Motta (PDT-RS) na primeira Comissão da Câmara dos Deputados, a de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Depois desta, haverá outras duas: Seguridade Social e Família e Constituição e Justiça e Cidadania.
A proposta teve origem há dois anos como projeto de lei do Senado (PLS) 200/2015. Neste período, houve duas audiências públicas e os representantes dos segmentos interessados foram ouvidos. “Agora, na Câmara dos Deputados, a comunidade médica e científica pretende reforçar os argumentos já apresentados e ficar atenta para que o texto não sofra retrocessos”, explica o Dr. Fábio Franke.
Lentidão traz prejuízos ao país
A autorização para o início de um protocolo de pesquisa em seres humanos leva entre 10 e 15 meses, em média, no Brasil, contra três a seis meses em outras partes do mundo. Embora seja o quinto país mais populoso do mundo e tenha características étnicas diversificadas – o que favoreceria o recrutamento de pacientes –, sedia apenas 2% dos estudos clínicos em andamento. “Hoje, a maior parte dos protocolos nem é oferecida ao Brasil ou fica pouco tempo”, destaca Franke. Em 2013, segundo a Aliança, o país deixou de participar de 112 estudos multicêntricos voltados para o tratamento de câncer e HIV.
A SBOC apoia o projeto de lei desde o primeiro momento. De acordo com o Dr. Carlos Gil, vice-presidente para Pesquisa Clínica e Estudos Cooperativos da Sociedade, os protocolos de estudos clínicos internacionais têm um papel científico importante e também cunho social porque permitem o acesso dos pacientes a tratamentos ainda não estão disponíveis no país. “É preciso agilizar tanto a aprovação de protocolos internacionais quanto de estudos inovadores nacionais, que passam pelo mesmo processo”, avalia.
A senadora Ana Amélia (PP-RS), uma das autoras da proposta, a define como “uma resposta aos portadores de câncer que aguardam uma esperança de cura para essa doença que, cada vez mais, está assustando pelo seu crescimento entre os brasileiros”. “Não estamos defendendo interesses econômicos de quem quer que seja. Não podemos confundir pesquisa e ciência com política e ideologia”, afirmou a senadora em plenário.
Necessidade de divulgação
“Com o atual cenário de incertezas na política nacional, os trabalhos do Congresso não estão muito produtivos. É provável que a tramitação na Câmara demore mais do que esperávamos”, lamenta o Dr. Fábio Franke. “Mas precisaremos de grande apoio da opinião pública quando ocorrerem as votações em cada comissão”, ressalta.
O oncologista acredita que a maior parte dos médicos ainda não conhece o projeto. “Precisamos divulgá-lo bastante dada a sua importância para a medicina e para a ciência brasileira”, diz. “Essa lei dará credibilidade ao país. As boas práticas nela especificadas colocarão o Brasil no mesmo patamar dos Estados Unidos, Europa, Japão: competitivo e atraente”, projeta Franke. “Todos ganham: pacientes, pesquisadores, médicos e instituições.”
Na visão de Franke, atualmente “perdemos um tempo precioso e negamos acesso aos nossos pacientes a tratamentos promissores”. Sobre a ação proativa junto ao Congresso Nacional pela aprovação da lei, reconhece que esse é um trabalho árduo de mobilização, mas pondera: “Não podemos nos distanciar dos parlamentares. Pelo contrário, precisamos informá-los, orientá-los e cobrá-los, dentro do processo democrático”, define.
Entenda o projeto de lei 7082/2017
- Propõe a primeira lei sobre a realização de pesquisas clínicas no Brasil, a partir de critérios técnicos e éticos.
- Acelera a aprovação de protocolos de pesquisa em seres humanos (prazo máximo de 90 dias), sem prejuízo ético ou risco para a população.
- Garante assistência médica com pessoal qualificado durante toda a execução do estudo.
- Determina o fornecimento gratuito permanente do medicamento em estudo aos pacientes participantes do protocolo até que esteja disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Reflexos esperados a partir da aprovação
- Aumento do número geral de estudos clínicos no país.
- Incentivo à realização de protocolos de pesquisa nacionais.
- Maior quantidade de estudos de fases 1 e 2 (as mais inovadoras) sediados aqui, raros hoje pela falta de agilidade na liberação dos protocolos.
- Maior número de pacientes com acesso a novos medicamentos durante os estudos.
- Ampliação da rede brasileira de pesquisa clínica: profissionalização dos centros existentes e criação de novos em todo o Brasil.
- Resultados baseados nas características da população brasileira.
- Benefícios para a formação de residentes e para a educação continuada dos especialistas, que terão maior contato com a medicina de ponta.