A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) faz um alerta para a sociedade sobre uma questão muito sensível a boa parte dos brasileiros: a cobertura obrigatória de tratamentos oncológicos pelos planos de saúde. Quando um novo medicamento é aprovado no país, pelas regras atuais demora até quatro anos para estar disponível aos pacientes da saúde suplementar. Isso se for aprovado por um comitê específico da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ocorre que a agência reguladora abriu uma consulta pública sobre essa metodologia, que tem a denominação técnica de atualização do rol de procedimentos da ANS. No entanto, para frustração dos oncologistas e de todos os profissionais envolvidos no tratamento de pacientes com câncer, a proposta da agência é tornar o processo ainda mais retrógrado.
A Consulta Pública nº 69, aberta até 16 de setembro (prazo inicial era 17 de agosto, mas foi prorrogado por 30 dias), propõe manter a periodicidade de atualização do rol de cobertura obrigatória pelos planos de saúde apenas de dois em dois anos. “Somos totalmente contra esse período tão longo porque os avanços no tratamento dos pacientes com câncer ocorrem em grande velocidade, com aprovações quase todo mês de novos medicamentos pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], e é direito dos pacientes ter acesso a terapias que podem salvar as suas vidas e/ou impactar a sua qualidade de vida de forma significativa”, afirma o presidente da SBOC, Dr. Sergio D. Simon.
O oncologista clínico explica que, na prática, esse prazo de dois anos acaba chegando a quatro. Isso porque os pedidos de incorporação de procedimentos/medicamentos ao rol da ANS são discutidos um ano e meio antes de o novo rol entrar em vigor. Sendo assim, pelas regras atuais, se um novo medicamento é aprovado logo após o encerramento das solicitações, sua análise ocorrerá somente no processo do próximo rol, relativo ao biênio posterior.
A proposta da SBOC é que as incorporações ocorram em até 90 dias após a aprovação da Anvisa. “Entendemos ser um prazo suficiente para que a ANS se pronuncie e as operadoras do setor se organizem para oferecer a cobertura”, diz Simon. De acordo com o presidente da SBOC, três meses é um prazo viável porque a análise de eficácia e segurança já é feita pela Anvisa, não havendo necessidade de ser refeita pela ANS. Além disso, a SBOC está à disposição para esclarecer qualquer dúvida da agência reguladora do ponto de vista técnico e científico a respeito de um novo medicamento.
Outro ponto enfatizado pela SBOC é que, com o prazo de 90 dias, a indústria pode e deve ser procurada para que estabeleça valores viáveis conforme o volume necessário para o medicamento ser ofertado aos pacientes. “Atualmente, com a judicialização, a oferta já acontece em prazos extremamente curtos, mas a desorganização faz com que essas compras sejam feitas a toque de caixa pelas operadoras/seguradoras, que acabam pagando preços elevados por uma quantidade mínima de medicamentos em benefício somente daqueles poucos pacientes que conseguem decisões favoráveis da Justiça”, lembra o médico.
Participação restrita
Também é grave o fato de que a ANS propõe, na Consulta Pública nº 69, restringir a participação da sociedade na próxima atualização do rol, a título de “transição” e “adaptação do sistema”. Segundo o Dr. Sergio D. Simon, a SBOC considera inadmissível esse tipo de justificativa baseada em burocracia e falta de estrutura. “A participação de toda a sociedade deve ser ampla e irrestrita. Não faz o menor sentido uma consulta pública para dizer que não haverá consulta pública”, ressalta.
O comitê da ANS especializado na atualização do rol, denominado COSAÚDE, hoje é composto por membros de diversos setores, inclusive CUT, Força Sindical e União Geral do Trabalhadores, mas não tem representantes da Oncologia. Diante da crescente importância do câncer na saúde pública e suplementar, haja vista que a doença será a maior causa de morte entre os brasileiros nos próximos anos, a SBOC reivindica um assento permanente no COSAÚDE no sentido de contribuir para a qualificação de debate técnico, científico e de políticas de acesso dos pacientes oncológicos ao diagnóstico e ao tratamento.
Por fim, a SBOC entende que os critérios da ANS para incorporação ou não de procedimentos/medicamentos precisam ser mais claros e transparentes. Por exemplo, não há porque analisar eficácia e segurança, uma vez que tal análise já foi realizada pela Anvisa. “As análises de custo-efetividade precisam ter parâmetros pré-definidos a partir de reflexões e debates do COSAÚDE e também de negociação com a indústria”, finaliza o presidente.